Nuno Melo admite ser candidato à liderança no congresso de 2022

O eurodeputado do CDS considera que a actual situação está a “arrastar o partido para o fundo”. Não se opõe a um congresso antecipado, mas também não lhe dá força. Em entrevista no programa Hora da Verdade, na Rádio Renascença, o ex-vice-presidente e actual líder da distrital de Braga, Nuno Melo, assume que tem a capacidade de unir o partido e que é preciso “sarar feridas” com mais de 20 anos.

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Nuno Melo diz que o actual líder do CDS não ganhou a "batalha da comunicação" Nuno Ferreira Santos

Eurodeputado e líder da distrital de Braga assume que se sente incomodado com os resultados que as sondagens dão ao CDS.

Num momento em que o partido volta a passar por tempos conturbados, Adolfo Mesquita Nunes, num artigo publicado no Observador, pede um conselho nacional do CDS para tentar aprovar um congresso antecipado. Associa-se a esse pedido?
Em primeiro lugar há uma avaliação que tem de ser feita sobre o momento do CDS. Obviamente, o CDS não vive num momento extraordinário, nunca valorizei excessivamente as sondagens, mas são muitas a indicar um sentido que é descendente e isso é que me preocupa. O facto de estudos de opinião colocarem o CDS não como partido que é mensurável mas na colunazinha de ‘outros’ incomoda-me, tenho a certeza que incomoda alguém que seja do CDS. Feito este enquadramento, acho a direcção tem toda a legitimidade para querer cumprir o mandato, mas, do mesmo modo, o Adolfo tem toda a legitimidade para pedir um congresso antecipado na base daquilo que é a sua interpretação e a de muitos sobre o estado do CDS. Para mim, muito importante é que essa discussão aconteça no CDS, porque este torpor em que vamos vivendo não ajudará a mudar grande coisa. 

Mas havendo esse pedido de congresso associa-se a ele? 
Não me oporia a esse congresso, tal qual percebo que a direcção se sinta legitimada para terminar o mandato. Faço aqui uma nota, antecipando uma coisa que normalmente nunca disse. Ou temos um congresso antecipado e uma disputa que já se entendeu que terá o Adolfo como candidato - eventualmente o Francisco e outros que apareçam - e o pôr tudo em cima da mesa pode ser quase catártico… Mas, se o CDS cumprir o seu ciclo e o congresso acontecer em 2022, acho que ninguém se deve excluir dessa discussão. Eu próprio não excluo, se o congresso for em 2022, aí ser candidato, se nada se alterar. 

Só para clarificar: exclui-se neste momento, mas não em 2022?
Sim, sim. Se, em 2022, fizer sentido uma mudança de ciclo, ninguém de bom senso se poderá excluir, achando que tem essa capacidade e que o partido o possa desejar e, caso acontecesse comigo, nunca gostaria que fosse contra o Francisco Rodrigues dos Santos mas com ele e outros que há anos estão afastados da vida do CDS. E sarando simbolicamente as feridas de 1998. Não são as feridas de 2020, são as de 1998, de um tempo em que o CDS mostrou um friso extraordinário de pessoas que realmente fizeram toda a diferença. Temos de conseguir resgatar todas essas pessoas, sarar todas essas feridas e mostrar que o CDS é uma alternativa que mais ninguém consegue substituir. E isso é muito mais nítido hoje por causa dessa reconfiguração político-partidária. À nossa esquerda, temos a concorrência da Iniciativa Liberal, e à direita temos uma direita muito estática, que é aquela em que eu não me revejo do Chega, e se nos centrarmos na democracia-cristã valemos à volta de 3%, o que é muito pouco. Temos de, através dos quadros que o CDS tem e outros não, demonstrar novamente ao país que não há nenhuma nova realidade que consiga melhor do que o CDS. E os votos que não estão no CDS não significa que não possam voltar. Se acontecer um congresso antecipado, se for vontade dos congressistas, dos militantes, que a liderança seja discutida... A actual situação é que, mantendo-se, chega quase a ser corrosiva e arrasta o CDS para um fundo do qual tem de ser tirado muito rapidamente. 

Adolfo Mesquita Nunes argumenta que o CDS não tem um projecto, não se antecipa, não passa a mensagem. Concorda com essa análise?
Não necessariamente. Neste momento quem não está na Assembleia da República dificilmente tem espaço na comunicação social e sem ela, politicamente, apesar das redes sociais, dificilmente existe. Os debates parlamentares acontecem no Parlamento e o que lá se passa é visível no país e essa é uma circunstância dificilmente ultrapassável. Acho que o Francisco é bem-intencionado, tem boas ideias, representa um CDS relevante que pensa como ele, não tem conseguido vencer a batalha da comunicação. E com isso criando, não por sua culpa, uma ideia de inexistência do CDS que não corresponde à realidade. 

No congresso, apoiou João Almeida por ser deputado. Mas agora quando foi colocada a questão de Cecília Meireles renunciar ao mandato para dar lugar ao Francisco essa proposta foi muito criticada por si...
Por uma razão: porque essa era uma inevitabilidade que foi antecipada no próprio congresso. Quando o Francisco avança no congresso, sabia que não era deputado e considerou uma vantagem e não quis que a Cecília se demitisse. No conselho nacional [em Dezembro], um acto quase medieval: de se querer pedir a uma das melhores deputadas da Assembleia da República que saísse. Considerei muito desajustado, injusto para a Cecília e mau para o CDS.
 

Há pouco, quando falava de sarar feridas de 1998, do regresso quadros, falava de Manuel Monteiro, por exemplo?
Filiei-me no CDS quando o partido teve 4%. Depois surgiu um friso que me fez sentir orgulhoso dessa minha opção: tinha Manuel Monteiro, Paulo Portas, Ferraz da Costa, António Lobo Xavier, Rosado Fernandes, Luís Nobre Guedes, Maria José Nogueira Pinto, Narana Coissaró, o Luís e o Manuel Queiró, Manuela Moura Guedes, Girão Pereira. O Manuel Monteiro não era propriamente a pessoa mais conhecida ao tempo, tinha sido líder da JC, mas teve a inteligência de ter atrás pessoas que, em áreas referenciais do país, eram reconhecidas por Portugal. Esse friso significava que o CDS contava e contava pela excelência desses quadros. Esse quadro permitiu que o CDS rapidamente superasse os 4%. Depois, 1998, por razões já históricas significa uma fractura. E essa fractura ainda hoje persiste.

Francisco Rodrigues dos Santos não está a conseguir vencer essa fractura?
O Francisco, por muito bem-intencionado que seja, não tem atrás de si estes referenciais que lhe permitiam superar as suas circunstâncias de pessoa menos conhecida e que não está na Assembleia da República. Se olhássemos para a direcção e tivéssemos um friso de pessoas que, nas diferentes áreas, o país reconhecesse e gerassem essa confiança, permitiria ultrapassar esses aspectos mais negativos da ausência parlamentar. Só que isso não sucede, não é culpa do Francisco. É culpa do momento.

Portanto, dificilmente terá capacidade de sobreviver...
O CDS é um partido que ajudou a fundar a democracia em Portugal, não nasceu em 2019. O CDS não tem que temer comparações nem com Chegas nem com Iniciativas Liberais, tem de saber ocupar o seu espaço, valer pela excelência dos seus quadros, pela racionalidade com que defende as suas ideias, mas também tem de saber ler a evolução dos tempos. A Iniciativa Liberal e o Chega usaram as eleições presidenciais como uma espécie de barrigas de aluguer para dar expressão aos seus próprios partidos, num combate em que o CDS não se percebeu. Até porque por muito simpático que seja, nunca vi o professor Marcelo Rebelo de Sousa ligar propriamente a sua candidatura ao CDS. 

Tinha sido a melhor estratégia para o CDS apoiar outro candidato que não Marcelo?
Era indiscutível que Marcelo Rebelo de Sousa venceria. Acho também que muito eleitorado do CDS estava descontente com um percurso que, em determinados momentos, confundiu o professor Marcelo Rebelo de Sousa com o PS, e não compreendeu posições tomadas em vários momentos como apoio a Mário Centeno quando era contestado pelo CDS. Faria sentido que, ao menos, se tentasse numa primeira volta encontrar alguém que fosse a nossa imagem de marca para depois, numa segunda volta, conceder o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. Temos pessoas capazes e que fariam melhor que o Ventura e do que o Mayan.

Também havia o receio de o candidato do CDS ficar atrás de Ventura e isso ter uma leitura...
Quem tem receio não está na política. Eu não me chocaria - e porque tem de concorrer à esquerda com a Iniciativa liberal, para mim está à esquerda, e à direita com o Chega - que o CDS mostrasse que é melhor, porque é melhor do que estes partidos e é o que nenhum destes partidos representa. O liberalismo não nasceu em Portugal, partidariamente, com a Iniciativa Liberal. O CDS sempre teve pessoas dentro, com pessoas de excelência, o António Pires de Lima, o Adolfo Mesquita Nunes, tantos outros. Tal qual sempre tivemos uma ala conservadora que sempre foi uma porta fechada à nossa direita, que soube falar para o país.

Acha que pode ser o candidato que pode sarar as feridas, unir e congregar essas tendências?
Eu tenho noção que mantenho laços muito cordiais e honestos com pessoas de todas as tendências que gravitam no CDS e tentei sempre, excepção feita a um congresso, ser factor de união mais do que fractura. E, por isso, eu acho que tenho essa capacidade como há outras pessoas que terão de a ter, se quiserem que o CDS ultrapasse o seu momento actual. Seja o Adolfo, o Francisco, o Telmo Correia, Cecília Meireles, não importa quem. 

Qual é a melhor estratégia para combater o Chega e a Iniciativa Liberal. É hostilizar ou é ignorar?
Não. É juntar as melhores pessoas, apresentar as melhores ideias e, pela diferença, mostrar ao eleitorado que tem muito mais razões para confiar em nós do que apostar até temerariamente noutros que, na realidade, o país nem sabe quem são, excepção feita aos protagonistas. Não é hostilizar o Chega nem a Iniciativa liberal, eu não dava muito para esse campeonato. É fazer melhor oposição do que os outros, que é o que falta neste país. Alguma coisa está a falhar nas oposições. Portugal tem, neste momento, um dos governos mais incompetentes da nossa democracia e, mesmo assim, o PS, acreditar nas sondagens, vai à frente. Temos um Governo que mostrou falta de talento nos incêndios, relativamente a Tancos, no SEF, no dossier vergonhoso do procurador europeu, na actual gestão das pandemias. Este Governo é uma tragédia em três actos que, no entanto, está à frente das sondagens. O CDS tem os quadros, as ideias e a capacidade de as mostrar, e é isso que não está a passar. 

Como é que se gera uma alternativa? O CDS foi poder com o PSD. Até que ponto a situação do PSD também não está a ajudar o CDS e como é que os dois partidos devem tentar ultrapassar a situação? Ou cada um deve cuidar da sua vida?
Curiosamente, excepção feita aos tempos do cavaquismo, o CDS cresceu quando o PSD cresceu. Quando o PSD está pior, o CDS também tem mais dificuldade. Dificilmente o PSD chegará ao poder sem unir esforços à sua direita e o CDS tem de fazer tudo para que à sua direita seja o CDS esse parceiro e não outro qualquer. E para isso o CDS tem de ter votos e crescer.

Até que ponto o CDS deve dialogar com a Iniciativa Liberal e com o Chega e até que ponto será possível fazer alianças?
O CDS só conta nessa equação se tiver votos.

Muitas vezes foi considerado a direita do CDS...
Sim, mas a direita em que eu acredito, que não é uma direita estática. É uma direita que é conservadora nos costumes, mas é liberal na economia. E é uma direita que pode dizer as mesmas coisas, mas com respeito por todos, e sem apoucar necessariamente, e elevando o debate político. Uma coisa são eleições presidenciais, outra são legislativas. O André Ventura teve um bom resultado nas presidenciais, mas não é garantido que se transformem em votos no Chega. A Iniciativa Liberal foi uma grande surpresa mas o candidato acabou a noite a contar os votos com o ‘Tino de Rans’. 

Até que ponto Francisco Rodrigues dos Santos está a ser julgado por sondagens e não por resultados?
Pois. Eu nunca valorizei as sondagens, mas o problema é a consistência, uma tendência e a percepção que se cria. Porque uma coisa era termos más sondagens, como já aconteceu no passado, mas o CDS contar para o campeonato na percepção pública. Esta inexpressão, esta percepção - porque na política o que parece é - faz com que tenha de haver um golpe de asa e temos de ser capazes de alterar este momento.

Esse golpe de asa tem de acontecer antes das autárquicas, eleições tradicionalmente difíceis para o CDS?
Mas onde o CDS tem uma representação, à nossa escala, relevante. Por outro lado, alguns desses partidos que foram mais nítidos nas presidenciais, não só não têm rede nacional e não têm autarcas eleitos. 

O CDS deve integrar coligações que incluam o Chega e a Iniciativa Liberal? Ou deve traçar uma linha vermelha?
Necessariamente tem de traçar uma linha vermelha. O aliado estratégico do CDS é o PSD. E o PSD está coligado com o CDS em algumas das mais importantes autarquias de Portugal. O CDS tem de ter a capacidade de se candidatar sozinho e fazer alguma diferença. Não me parece muito lúcido abrir espaço para quem nos hostiliza no discurso político, não respeita os nossos dirigentes políticos, apoucando-os. E não se deve estar na política como quem bebe uns bagaços em qualquer tasca de Portugal. Se tivesse de escolher uma frase que simbolizasse o CDS em relação ao futuro era: O CDS faz falta a Portugal. 

Na questão da nomeação de José Guerra para a Procuradoria Europeia, a ministra da Justiça pediu para não eternizar a polémica. Vai insistir neste assunto?
Vou. A Procuradoria Europeia nasce agora e cria um novo paradigma de justiça que é transfronteiriço, com credibilidade à prova de bala. Significa que cada procurador europeu não pode ter mácula. Justa ou injustamente o procurador nomeado tem-na. Para começar Portugal é dos poucos casos em que os peritos davam outra pessoa como mais bem preparada para o lugar. Foi escolhido com base em informações que não são verdadeiras, é perceptível para nosso enxovalho na UE. O melhor que o Governo conseguiu foi demitir um director-geral, em vez de assumir as suas responsabilidades. Acho que o procurador não se devia manter no lugar, tal como a ministra da Justiça devia sair, assim como o ministro da Administração Interna. Terminado o prazo de respostas da Comissão e do Conselho, farei nova queixa à Provedoria europeia. 

A lei que legaliza a eutanásia deve ser aprovada esta semana no Parlamento. O que espera do Presidente da República?
Espero que o presidente do CDS seja o rosto da oposição a essa lei. Considero legítimo que o Parlamento discuta. O que não aceito é que, em cima de terramotos políticos, a covid, o procurador, o SEF, e em cima das presidenciais, se aprove uma lei sem que as pessoas tenham sido chamadas a pronunciar-se sobre ela. Esse processo foi uma vergonha. Sendo membro e deputado europeu de um partido que é humanista e democrata-cristão, seria estranho não pedir ao Presidente da República essa oposição muito clara. Espero que o Presidente da República seja esse rosto muito claro. 

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