A justiça, Sr. Presidente
Reeleito o PR, importa que a justiça mereça outra atenção. Em vez de grandes pactos, é mais útil intervir em matérias específicas que podem fazer a diferença. Deixo três sugestões.
Quem acompanhou a campanha eleitoral para as eleições presidenciais notou certamente esta contradição: apesar do chamado “problema da justiça” – que ainda ninguém definiu – parecer ocupar um lugar central nas preocupações dos candidatos, nenhum foi capaz de apresentar uma visão estruturada sobre o que faria nessa área se fosse eleito. Entre as propostas de implosão revolucionária e o silêncio absoluto, ficámos na mesma. É certo que o PR não tem poderes executivos nem de iniciativa legislativa para desenvolver políticas de justiça. Mas tem o poder da palavra e o exemplo da acção para exercer uma magistratura de influência, não só sobre a actuação do Governo e do Parlamento, como também dos órgãos de gestão e disciplina dos tribunais, uma vez que nomeia directamente vogais para os conselhos superiores da magistratura e dos tribunais administrativos e fiscais (CSM e CSTAF).
Reeleito o PR, importa que a justiça mereça outra atenção. O pacto da justiça promovido no primeiro mandato foi um fiasco. A ideia era boa, os representantes das profissões da justiça aderiram, porém, o efeito prático foi nulo. Um documento com 88 propostas de minudências sem interesse, que passava ao lado dos pontos críticos do sistema, não ia obviamente marcar a agenda nem ter sequência. Em vez de grandes pactos, é mais útil intervir em matérias específicas que podem fazer a diferença. Deixo três sugestões.
Começo pela situação intolerável dos tribunais administrativos e fiscais (TAF), em que os cidadãos e as empresas esperam eternidades por uma decisão final. O problema dura há 25 anos, é conhecido e tem solução fácil e barata, mas a vergonhosa realidade é que o poder político não está interessado nisso. Que razão existe para o CSTAF, órgão-chave para uma melhor gestão desses tribunais, onde o PR tem representantes, não dispor sequer de lei orgânica, funcionários e orçamento próprio? E alguém já pensou em seguir o rasto do dinheiro? Quantas centenas de milhões de euros valem anualmente os litígios tributários e administrativos decididos nas arbitragens privadas que florescem ao lado e por causa do mau funcionamento dos TAF? Quanto valem os honorários pagos pelo Estado a esses árbitros e aos centros de arbitragem? Que grandes negócios com dinheiro público escapam por essa via ao controlo judicial? Quem são os árbitros e que interesses e ligações têm com o Estado e os grandes negócios? Era bom que o PR fizesse estas perguntas.
Noutro plano, está em cima da mesa do debate sobre a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção uma proposta de criminalização da ocultação intencional de rendimento e património adquiridos durante o exercício de cargos públicos. Trata-se de uma proposta coerente com o dever, já conhecido, de transparência no exercício de cargos públicos, capaz de passar o teste de constitucionalidade, dado que não se baseia em qualquer presunção de ilicitude, e necessária para a moralização da vida pública. Quem não é capaz, em cinco minutos, de dizer dez nomes de pessoas que entraram pobres e saíram ricas dos cargos públicos e andam por aí a gozar a vida e a rir-se do sistema? Era importante que esta proposta fosse debatida no Parlamento para se fazer o “teste do algodão”. Ora bem, aí está outra matéria em que o PR pode exercer a sua magistratura de influência.
Finalmente, uma questão que cada vez me parece mais inexplicável. Na sequência do escândalo que rebentou na justiça, com suspeitas de corrupção e manipulação de distribuição de processos, os juízes, sem medo da discussão e corporativismos desviados, apresentaram oito propostas visando fortalecer os mecanismos internos de prevenção e repressão de actos corruptivos no judiciário e evitar novos falhanços do sistema. Era de esperar que o CSM, órgão de gestão e disciplina dos juízes e de garantia de integridade do sistema, fosse a principal entidade interessada em discutir essas propostas. Engano. Com uma deliberação redondinha, daquelas de “chutar para canto”, agradeceu muito, disse que tomava boa nota – para as calendas – e que não precisava de ouvir as propostas porque estava bem elucidado. Pois bem, se amanhã o sistema falhar de novo, de quem é a responsabilidade? Era bom que o PR também pedisse contas aos vogais que o representam nesse órgão e lhes perguntasse o que estão lá a fazer.