“Pacto para a Justiça terá abortado”, lamenta presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Numa entrevista ao PÚBLICO que será publicada na íntegra na edição deste domingo, António Piçarra deixa um aviso: o sector “não pode ser uma disputa permanente em termos político-partidários”.

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O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Piçarra, gostava que os partidos políticos do arco do poder chegassem a um consenso sobre o modelo que pretendem para o funcionamento da justiça, mas não tem grandes ilusões sobre o propalado pacto para o sector: “Apesar das esperanças do Presidente da República, o pacto para a Justiça terá abortado”, lamenta o magistrado numa entrevista ao PÚBLICO que será publicada na íntegra na edição de amanhã.

“Não vejo até ao momento nenhuma iniciativa para o recuperar, nem total nem parcialmente”, acrescenta aquela que é a quarta figura da hierarquia do Estado português, a par do presidente do Tribunal Constitucional. O juiz deixa um aviso: o sector “não pode ser uma disputa permanente em termos político-partidários, porque isso desestabiliza o funcionamento do sistema”.

Corria ainda o ano de 2016 quando o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu aos parceiros do sector para firmarem um acordo entre si. Passados 926 dias escassas foram as medidas propostas passaram à prática – tendo, de resto, sido postas de lado, por falta de consenso, algumas das que apresentavam mais peso emblemático, como a delação premiada - que consiste na possibilidade de um criminoso ver a sua pena atenuada, caso ajude a desmascarar as práticas delituosas em que se envolveu – ou o enriquecimento ilícito. “O pacto é manifestamente insuficiente para resolver os problemas de criminalidade económico-financeira do país”, declarou o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, em Janeiro de 2018, antes de procuradores, juízes, advogados e outros operadores entregarem a Marcelo Rebelo de Sousa uma lista de quase 90 sugestões. Dela fazia por exemplo parte a redução de custas judiciais. Mas o documento pouco ou nada dizia sobre a necessidade de aumentar a rapidez dos tribunais, muito embora várias das medidas nele inscritas tivessem esse objectivo.

Sem nunca desistir de criticar a lentidão da justiça portuguesa, o Presidente acabou por ir revendo as suas expectativas em baixa em relação ao pacto. Admitindo que nem todas as propostas alvo de consenso tivessem pernas para andar e a inexistência de acordo nalgumas matérias, que adiava para um momento posterior, fez mesmo assim um apelo aos partidos políticos representados no Parlamento: “Valorizemos o alcançado e avancemos com medidas urgentes”.

Na abertura do ano judicial em curso, em Janeiro passado, o chefe de Estado já só de fugida aludiu ao assunto, e mesmo assim sem usar o termo pacto: “De todos nós depende garantirmos que parceiros da justiça, tal como partidos políticos, não trocam entendimentos de regime pela inércia”. Coube à ministra da Justiça, Francisca van Dunem, assegurar que nem tudo estava perdido e que algumas medidas tinham até já sido adoptadas ou estavam em vias disso. Quando concretizou soube a pouco: falou de medidas de gestão corrente, como a avaliação do modelo de trabalho das secretarias dos tribunais, e rotulou algumas das propostas como inexequíveis ou contrárias ao programa político do Governo.

Em sede parlamentar só o CDS tem mostrado empenho nesta causa – muito embora o PSD tenha entabulado negociações com o Governo ao nível da direcção do partido. O grupo parlamentar centrista diz continuar à espera que a maioria de esquerda, e em especial o PS, contribua para o debate na Assembleia da República. “A minha percepção é que, quando se passa à prática, as divergências começam a vir ao cimo. Mas nunca participei em qualquer negociação sobre o pacto”, reconhece o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

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