Líderes religiosos pedem afastamento de Bolsonaro, mas IURD fica de fora
Associações de igrejas católicas, protestantes e evangélicas responsabilizam o Presidente pela má gestão da pandemia da covid-19. Em dois anos, foram apresentados mais de 60 pedidos de impeachment.
Um grupo de líderes religiosos apresentou um pedido de impeachment contra o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, responsabilizando-o pelo impacto da pandemia da covid-19 no país, que já causou mais de 218 mil mortos. Entre as instituições que promovem o pedido estão associações de igrejas evangélicas, um dos principais bastiões de apoio do Presidente.
O documento é assinado por 380 pessoas que representam entidades ligadas à Igreja Católica, anglicana, luterana, baptista entre outras, e junta-se aos mais de 60 pedidos de impeachment que chegaram à Câmara dos Deputados nos últimos dois anos.
Os líderes religiosos responsabilizam Bolsonaro e o seu Governo por “acções e omissões” no combate à covid-19, citando várias ocasiões em que o Presidente “actuou contra as recomendações das autoridades sanitárias”.
“A motivação principal deste pedido está relacionada com a ausência total de iniciativas da parte do Governo para diminuir e conter os impactos da pandemia de covid-19”, afirmou a pastora Romi Bencke, representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, durante a apresentação do documento.
Num longo documento, os religiosos acusam Bolsonaro de ter cometido crimes de responsabilidade para sustentar o pedido de impeachment. O Presidente, escrevem, “deixou de fazer o que estava obrigado como Presidente” e as suas acções “levaram e seguem levando a população brasileira à morte e geraram danos irreparáveis.”
Entre os argumentos apresentados está também o colapso do sistema de saúde de Manaus, que recentemente viu esgotarem-se as reservas de oxigénio nos hospitais. “O sufoco de Manaus é o sufoco do país inteiro, que neste momento tem população abandonada porque temos um Governo que nega o direito à vida”, afirmou Bencke.
Esta semana, o Supremo Tribunal Federal aceitou o pedido da Procuradoria-Geral da República para investigar a conduta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na gestão da crise em Manaus.
O apoio das igrejas, sobretudo as evangélicas mais representativas, é fundamental para Bolsonaro, que tem promovido vários temas privilegiados por este eleitorado. De fora do grupo que pede o seu impeachment está a liderança da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a maior e a mais influente politicamente no Brasil.
Popularidade em queda
A pressão sobre Bolsonaro por causa da progressão da covid-19 no Brasil está a aumentar e a erodir a popularidade do Presidente. Sondagens recentes indicam que o apoio à sua destituição está a subir – um inquérito da Atlas publicado no fim-de-semana mostrava que 53% dos brasileiros quer a abertura de um processo de impeachment.
Durante meses, Bolsonaro conseguiu travar o crescimento da impopularidade, mesmo durante fases mais agudas da pandemia, graças à atribuição do subsídio de apoio emergencial às camadas mais pobres da população. Milhões de famílias, sobretudo das regiões do Norte e Nordeste, viram os seus rendimentos subirem desde Abril por causa do subsídio de 600 reais (92 euros) atribuído pelo Governo federal.
O subsídio deixou de ser pago no final do mês passado e mantém-se a incerteza sobre o seu prolongamento – o Governo receia o impacto orçamental que a sua continuidade pode acarretar.
As ruas também dão sinais de descontentamento com Bolsonaro. No fim-de-semana, foram organizadas marchas de carros em várias cidades para protestarem contra a gestão da pandemia pelo Governo. A lentidão do processo de vacinação – que durante meses foi desvalorizado por Bolsonaro – também está a deixar os brasileiros frustrados.
A abertura de um processo de impeachment está dependente da vontade política do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que, apesar de ser um crítico de Bolsonaro, rejeitou dar andamento aos mais de 50 que lhe chegaram às mãos. O seu mandato está prestes a terminar e os congressistas elegem uma nova presidência na próxima segunda-feira.
De saída do cargo, Maia disse este mês que a discussão sobre o afastamento do Presidente “será um tema inevitável” para o seu sucessor.