Salvator Mundi será de Leonardo da Vinci – mas pouco
Novos estudos põem de novo em causa a atribuição da obra recordista do mercado mundial da arte ao mestre do Renascimento, que poderá ter apenas iniciado a pintura e depois ter-se-á desinteressado dela.
Afinal, que partes de Salvator Mundi foram realmente pintadas por Leonardo da Vinci? Esta é a pergunta que pode valer 400 milhões de euros, a soma recorde do mercado mundial da arte paga em 2017 num leilão na Christie’s de Nova Iorque – crê-se – pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman para adquirir a pintura atribuída ao grande mestre da Renascença.
Sabe-se que esta atribuição não é consensual, e têm sido tantas as confirmações quantas as dúvidas sobre a autoria da pintura. E a polémica terá mesmo estado na base da exclusão desta obra, que Leonardo terá realizado entre 1506 e 1513 para o rei francês Luís XII, da grande exposição com que o Museu do Louvre assinalou, no final de 2019, os 500 anos da morte do artista.
E se é verdade que, mesmo que nunca o tenha feito oficialmente, o museu parisiense ratificou a autenticação da assinatura – chegou mesmo a publicar um livro assinado pelos curadores e especialistas Vincent Delieuvin, Myriam Eveno e Elisabeth Ravaud, que, à última hora, foi retirado do mercado, depois de se saber que Salvator Mundi não ia ser emprestado para a exposição... –, há vozes em sentido contrário que continuam a manifestar-se. As mais recentes, agora noticiadas pelo diário britânico The Art Newspaper, são dos investigadores Steven M. Frank, um especialista em informática, e Andrea M. Frank, historiadora de arte.
Num artigo que vai ser publicado na revista Leonard, da MIT Press, nos Estados Unidos, os dois autores concluem, depois de terem recorrido à utilização de redes neuronais de luz para a análise da obra, que muito provavelmente só a cabeça e a parte superior da figura de Cristo foram efectivamente pintadas pela mão de Leonardo. O mesmo já não terá acontecido com o braço e a mão direita que faz a bênção, e menos ainda com a mão esquerda que segura um globo transparente.
A ideia de que Salvator Mundi foi pintado em diferentes etapas parece estar também contemplada no livro do Louvre “que não chegou a sê-lo; e que nunca mais foi visto”, como se lhe refere o The Art Newspaper. O quadro terá evoluído muito lentamente, como, de resto, terá igualmente acontecido com a Mona Lisa.
Também o investigador alemão Frank Zöllner, um dos grandes especialistas na obra de Leonardo da Vinci, manifestou já dúvidas quanto à dimensão da intervenção do mestre em Salvator Mundi. Num artigo publicado no ano passado, e agora recordado pelo diário espanhol ABC, Zöllner admite que Leonardo poderá ter iniciado a pintura, mas defende que o artista se desinteressou depois dela, tendo-a passado aos seus discípulos. Uma hipótese que o especialista sustenta no pormenor, “desconcertante”, de Cristo estar aqui desprovido de barba, ao contrário do que acontece nas várias cópias conhecidas…
É esse o caso, por exemplo, do Salvator Mundi pertencente ao Museu da Igreja de San Domenico Maggiore, em Nápoles, que há uma semana foi notícia por ter sido roubado e depois recuperado pela polícia italiana, e cuja autoria está atribuída a um dos alunos de Leonardo.
Entretanto, enquanto se sucedem os estudos e as polémicas em volta desta obra que actualmente está no primeiro lugar do top mundial do comércio da arte, continua sem se saber qual é o paradeiro do Salvator Mundi adquirido pela família real saudita. Depois da compra, disse-se que a pintura seria exposta em 2018 no Louvre de Abu Dhabi, o que não chegou a acontecer. Nem na capital dos Emirados Árabes Unidos, nem, depois, no museu da capital francesa, aquando das grandes comemorações dos 500 anos da morte de Leonardo.
Onde está o Salvator Mundi?; que intervenção teve nele Leonardo da Vinci? Duas perguntas que vão certamente continuar a mobilizar atenções, investigações e especulações nos próximos tempos.