Minimercado Familiar de Lagos: “Faço tudo para satisfazer o cliente, por isso é que estou aqui há quase 25 anos”
Quando abriu, em 1996, só havia um hipermercado em Lagos. Outros chegaram, mas o Minimercado Familiar mantém-se firme. Fórmula? “Simpatia, fruta boa, pão bom” e charcutaria da região. Com a pandemia, muito, muito trabalho.
Ainda não são 9h e pela caixa já passaram uns dez clientes. “Tem stevia?”, pergunta um à entrada. “Ali em baixo, atrás daquela menina”, aponta José Domingos. Há quem passeie o cachorro e aproveite para encomendar, da porta, os três pães com chouriço que não tardam a chegar com a remessa da manhã. Clientes e funcionários, quase todos se tratam pelo nome. Ainda o padeiro enche as prateleiras e já há gente na fila.
Ao quarto dia de novo período de confinamento, o movimento no Minimercado Familiar, em Lagos, é o de um dia normal. Esta segunda quarentena profiláctica “não é nada”, compara o proprietário, antes de o Governo anunciar medidas mais apertadas. “Agora está tudo aberto.” Mas, em Março de 2020, quando o primeiro estado de emergência meteu o país dentro de casa, os dois primeiros dias foram “completamente loucos”, recorda.
“Eram filas à porta até às Finanças [a cerca de 100 metros de distância], porque só podiam entrar cinco pessoas [de cada vez] e muitas optaram pelas superfícies mais pequenas.” Pela primeira vez, José viu-se obrigado a fechar portas depois do almoço, durante duas horas, para fazer reposição de produto. “A pandemia foi uma coisa do outro mundo. Iam rebentando comigo com o trabalho.”
Com metade da equipa em casa, como medida de prevenção, a mulher e uma das filhas vinham ajudar naquelas horas a repor de tudo, enquanto José “levava o dia inteiro a comprar e a vender”. “Nunca imaginei uma casa destas facturar o que facturou num dia”, assume. “Cresci 41% em relação a 2019 e 2019 foi um ano excepcional.” Não houve um mês de 2020 pior de vendas que igual período do ano anterior. “Cheguei a vender 1300€ de fruta num dia.” E se, hoje, o canto das farinhas conta com mais de vinte referências é graças à “pãodemia” da pandemia. “Comprava embalagens à força toda”, ri-se. Só o fermento de padeiro esgotou uma ou outra vez.
Para José Domingos, 53 anos, é esse o segredo para manter uma mercearia de sucesso: “Simpatia, fruta boa, pão bom [ou farinha, se a clientela decide começar toda a experimentar fazer em casa], charcutaria boa, com [enchidos] de Monchique e aquelas coisas [da região] que os outros não têm. E dedicação: estar aqui sempre em cima do acontecimento para não faltar nada, sempre tudo fresquinho, isso é o principal deste negócio.”
O estacionamento fácil à porta “também ajuda” e os preços de alguns produtos, mais baixos do que nas grandes superfícies nuns casos, noutros inalterados “há anos”, contribuem para manter a clientela mais fiel. Depois, há o trato pessoal. Com a gente da terra, que muitas vezes tem excedentes nas hortas caseiras e vem vender à mercearia. “Em vez de jogarem fora, trazem e eu ajudo.” E com o cliente, que pede com antecedência para guardar o pão quente, que pergunta por um produto que Domingos não tem e faz por encontrar em pouco tempo, ou que pede para levar as compras a casa. “Faço tudo para satisfazer o cliente, por isso é que estou aqui há quase 25 anos.”
A 1 de Abril, o minimercado celebra um quarto de século nas mãos de Domingos, mas o espaço já deverá existir desde a construção do prédio, nos anos de 1980. Nessa altura, e até à remodelação da loja em 2005, a mercearia “era uma coisinha pequenina”, porque os antigos proprietários “viviam aqui”. No pequeno escritório onde nos encontramos, nos fundos da loja, “era um quarto”. “Aqui [ao lado], a cozinha. Ali a casa de banho e, naquela parte, outro quarto”, aponta. Agora, além do minúsculo escritório e de um pequeno armazém, tudo é minimercado: cerca de 100m2 com três corredores lotados de produtos, secção de frescos e de congelados, charcutaria, padaria, mercearia, garrafeira, entre outros.
José Domingos tinha 28 anos quando ficou com o espaço. “Comecei aos 13 anos a trabalhar num restaurante e foi até ir para a tropa”, recorda. Quando voltou, ainda lhe ofereceram o emprego de volta, mas José “estava farto daquilo”, confessa. “Era uma escravidão”, com dias que chegavam facilmente às 14 horas de trabalho. Preferiu ajudar o sogro no supermercado que tinha na Salema (no concelho vizinho de Vila do Bispo). Ainda passou por uma pastelaria e pela área da distribuição até comprar o minimercado.
“Na altura, de superfícies grandes em Lagos, só existia o Alvorada, onde é hoje o Pingo Doce”, recorda. “Por azar, abriu logo o Lidl passado uns dois meses.” Entretanto, chegaram à cidade quase todas as grandes marcas de hipermercados, muitos espaços de média dimensão faliram, as mercearias começaram a decair, mas o Minimercado Familiar continuou “sempre a trabalhar bem”.
Mas “é uma vida muito complicada”, confessa. Em quase 25 anos, tirou umas “cinco semanas de férias” com a família. Às vezes, mete uma folga para ir à pesca. Em 2017, fez parte da equipa campeã nacional de pesca grossa. No escritório, entre dossiers e facturas, acumulam-se troféus desportivos, a maioria ganhos no mar. Naquela fotografia, José e um safio com 35kg. Ali, um pargo com 15kg faz capa de uma revista. “Uma vez, apanhei um cherne com 68kg. As ovas pesavam 9kg”, recorda.
“Quando me meto numa coisa é com dedicação”, dizia há pouco a propósito do minimercado. Mas “não é fácil”. “As minhas filhas cresceram e eu só as via à noite um bocadinho”, recorda. Por isso, lá vai dizendo: “Já lhes dei os cursos. Estão formadas, criadas. Agora vou tentar ver se descanso, um dia destes”.