Pandemia e ditadura: o capítulo da saúde mental

Eu vou votar a mais de 2000 quilómetros de Portugal. No Reino Unido, as votações serão a 23 e 24 de Janeiro para pessoas de nacionalidade portuguesa, com morada no Reino Unido. Vou votar por ser das poucas coisas que consigo fazer para prevenir o retrocesso de um país que ainda agora foi parto da ditadura. Vou votar em dor e em amor, vou votar em revolução e em desespero.

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Marta Guerreiro

No meio de uma pandemia, tudo aquilo que não precisávamos era do peso acrescido de ter um Ventura a candidatar-se às presidenciais. Acordo com um peso no peito e ainda é de manhã quando as mãos começam a tremer. Tenho discussões comigo própria, explico a mim mesma que não tenho que carregar tanto peso nos ombros, mas não resulta. Ao meio-dia é possível que já tenha chorado ou inventado coisas para fazer, ilustrações de luta, livros para ler ou focar-me tão desesperadamente no trabalho que faço casa nele.

É muito bonito quando existe capacidade argumentativa para explicar o que está a acontecer, mas é muito complicado construir mecanismos que me salvem e me protejam do medo e, por vezes, até da raiva.

As emoções são fortes, tanto quando sinto amor a chegar de todo o lado como quando sinto vontade de abanar cabeças. Quase que imagino uma lobotomia em jeito de hipérbole. Encaixar peças em cabeças que gritam que muitas existências são perigosas, atentados a uma pátria, tradição e religião – que a minha existência é irrelevante.

Eu vou votar, vou votar a mais de 2000 quilómetros de Portugal. No Reino Unido, as votações serão a 23 e 24 de Janeiro para pessoas de nacionalidade portuguesa, com morada no Reino Unido. Vou votar por ser das poucas coisas que consigo fazer para prevenir o retrocesso de um país que ainda agora foi parto da ditadura. Vou votar em dor e em amor, vou votar em revolução e em desespero.

Crio e recrio cenários em que a ansiedade me engole e me torna num ponto final – em que quem é igual a mim, ou pior, quem sofre ainda maior descriminação do que eu, se torna alvo justificado.

Trago na bagagem da vida depressões e ansiedade crónica, trago na bolsinha de fora coisas bonitas que aprendi e até me fizeram aguentar os primeiros confinamentos nesta terra de Brexit. Só não sabia que a bagagem de mão tinha que ter rodinhas maiores do que eu para que, quando a pandemia se juntasse a saudações nazis, eu conseguisse encostar o corpo e deslizar. Os pés acordam muitas vezes pregados à cama e as mãos atadas de forma meio kinky, mas não consensual.

Quando um sistema nacional de saúde do país onde está toda a minha família - inclusive uma irmã com paralisia cerebral profunda e sogros médicos - está para rebentar, precisamos de noção, precisamos de boa política, precisamos de pensar com a cabeça e agir com o coração.

Tudo isto parece tutorial básico, não estivéssemos em cacos e a tentar colar pedacinhos do nosso SNS enquanto agarramos a democracia com os dentes, a medo que também essa nos falhe. No fim? Que alguém nos segure a nós, pessoas, e não a nós, instituições, que essas se protejam depois da luta, para que também as pessoas se possam cuidar. A ansiedade que chega depois de lutar, criar e acreditar tem garras e não sabe colar o que sobra de nós - talvez nos transformemos em origami. Talvez, depois de tanto nos desdobrarmos, nos tornemos um quantos queres.

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