Se sei que domingo não vou ganhar, porque é que hei-de ir votar?

Tenho uma responsabilidade para com quem veio antes de mim e por quem ainda aqui está e continua a garantir que posso ir até à minha secção de voto. Mas tenho também uma responsabilidade para comigo. Não deixo nas mãos de outros uma decisão que é minha.

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Paulo Pimenta

Estamos em Janeiro de 2021. Tenho 36 anos e esta é a 18.ª vez que vou sair de casa para votar. Se fizermos as contas, chegamos à conclusão de que nunca não votei. Não deixo nas mãos de outros uma decisão que é minha.

Nasci em Dezembro de 1984, em 2002 atingi a maioridade e votei pela primeira vez em 2004, nas eleições para o Parlamento Europeu. Lembro-me de que, no dia em que fiz 18 anos, várias pessoas me perguntaram o que é que mais queria fazer agora que era maior. Julgo que pensavam que a minha resposta seria “Sair à noite!”, “Tirar a carta!”. Para surpresa de todos, a resposta foi sempre a mesma “Votar!”. E foi por isso uma desilusão ter de esperar quase dois anos até finalmente poder desenhar uma cruz num boletim e depositá-lo numa urna.

Para mim, defensora da democracia e de uma Europa unida, todas as eleições têm o mesmo valor e são merecedoras do meu voto. Porém, confesso que o processo em que me deu mais orgulho participar foi no referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, em 2007. Como mulher, senti mais do que nunca que o meu voto nesse dia não era só um direito, mas um dever. Um dever para com as mulheres que queriam ter a opção de interromper uma gravidez, para com as que tinham abortado na clandestinidade e sobrevivido e, sobretudo, para com as que tinham abortado na clandestinidade e não tinham sobrevivido. Queria, com o meu voto, ajudar a garantir que nem mais uma mulher perderia a vida num vão de escada ou numa cama, no meio de uma poça de sangue. E a sensação de participar numa eventual mudança histórica no país e na vida das nossas mulheres foi indescritível. Não deixo nas mãos de outros uma decisão que é minha.

Estas foram as únicas eleições em que ganhou a opção em que votei. À excepção do Parlamento Europeu, nunca os candidatos e candidatas por mim apoiados conseguiram alcançar o lugar a que se propunham. As candidaturas que apoio chegam sempre em terceiro, quarto, quinto lugar. As ideias que defendem e ao lado das quais me posiciono nem sempre vêem a luz em forma de lei e, perante tal rol de “derrotas”, seria muito fácil desistir e nunca mais comparecer numa assembleia de voto. Se domingo sei que não vou ganhar, porque é que hei-de ir votar?

Porque se trata de muito mais do que perder ou ganhar. Trata-se de fazer ouvir a nossa voz, exercer um direito conquistado a duras penas e participar activamente na democracia portuguesa que não pode, nem deve nunca, ser dada como garantida. Mas mesmo que queiramos resumir tudo a perder ou ganhar, estou convicta de que quem é derrotado nunca é quem, mesmo sabendo que o resultado final não vai ser o que quer, usa o seu tempo para votar. O grande derrotado é aquele que prefere ficar indiferente, que encolhe os ombros e se esquece que o direito de se fazer ouvir nem sempre esteve assegurado. Perde esse e perde, inevitavelmente, a democracia.

Não esqueço as mulheres que, feroz e bravamente, lutaram pelo sufrágio universal. Não esqueço o meu avô e os outros homens e mulheres que lutaram pela queda do regime de Salazar e Caetano e sonharam com a democracia. Não esqueço quem todos os dias luta por ela e a protege, pertença ou não ao meu lado político. Tenho uma responsabilidade para com quem veio antes de mim e por quem ainda aqui está e continua a garantir que posso ir até à minha secção de voto. Mas tenho também uma responsabilidade para comigo. Não deixo nas mãos de outros uma decisão que é minha.

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