O que já sabemos (a 21 de Janeiro) sobre a variante do Reino Unido
O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge estima que, desde o início de Dezembro, tenham sido registados a circular em Portugal um acumulado de cerca de 30 mil casos com a variante inicialmente encontrada no Reino Unido.
Identificada inicialmente no Reino Unido, uma nova variante do coronavírus SARS-CoV-2 chegou em força a Portugal. Quais são as suas características? Qual a sua prevalência no mundo e em Portugal? Afecta a eficácia das vacinas?
O que são variantes genéticas?
Uma variante (ou linhagem) ocorre quando um vírus sofreu mutações ou combinações de mutações genéticas que o podem levar a adquirir algumas características diferentes do original. “Neste momento, provavelmente, há algumas centenas de variantes descritas deste vírus a circular em todo o mundo, mas nem todas estão associadas a alguma coisa especial, como na sua função ou patogenicidade”, tinha referido ao PÚBLICO ainda em Dezembro o virologista Celso Cunha, investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, salientando que a definição de variante não é muito consensual.
As mutações genéticas ocorrem de forma aleatória. Estas alterações genéticas estão relacionadas com a mutação natural do vírus durante o processo infeccioso à medida que passa de pessoa para pessoa. Podem ser vantajosas, neutras ou prejudiciais para o vírus.
Uma das variantes do SARS-CoV-2 (o coronavírus que causa a doença covid-19) que mais nos tem preocupado tem sido a VOC 202012/01 (ou linhagem B.1.1.7), inicialmente identificada no Reino Unido.
Quando e onde surgiu?
Não se sabe bem quando e onde surgiu. Aquilo que se sabe é que os primeiros genomas disponíveis em que se descreve a variante identificada no Reino Unido são de 20 de Setembro e pertencem a amostra no condado de Kent, no Sudeste de Inglaterra.
O alerta para o mundo de que poderia ser uma variante com características mais transmissíveis surgiu a 14 de Dezembro: as autoridades do Reino Unido e da Irlanda do Norte reportaram à Organização Mundial da Saúde que uma variante do SARS-CoV-2 identificada através da sequenciação genómica, refere a organização no seu site. Análises iniciais indicavam que a variante se podia espalhar de forma mais rápida entre as pessoas do que outras variantes em circulação.
Também a 14 de Dezembro, Matt Hancock, ministro da Saúde britânico, anunciou ao mundo a identificação no Reino Unido desta variante que as autoridades acreditam que “poderá estar associada à disseminação mais rápida do vírus no Sul da Inglaterra”. Isto aconteceu depois de declarar que Londres e zonas do Sul da Inglaterra iriam entrar no nível mais severo de restrições. A agência de saúde pública Public Health England e o consórcio de sequenciação do vírus da covid-19 do Reino Unido tinham confirmado antes altos níveis de infecções no Sul de Inglaterra e que havia uma variante, com cerca de 20 mutações, frequente nesta área.
Quais as suas características?
Esta variante tem um número bastante grande de mutações comparado com o das outras variantes. Ao todo tem 23 mutações. “Seis delas são silenciosas e não causam nenhuma alteração nas proteínas e depois há 17 outras, já foram descritas noutras linhagens, que estão relacionadas com a forma como o vírus se comporta”, disse em entrevista ao PÚBLICO Sónia Gonçalves, cientista Instituto Wellcome Sanger (no Reino Unido) envolvida no processo ligado às amostras da covid-19 nesse instituto responsável por cerca de 30% de todas as sequenciações genéticas do SARS-CoV-2 no mundo.
As mutações que preocupam mais os cientistas são as oito encontradas na proteína da espícula, que é responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas. Uma das mutações é a N501Y, que aumentará a força da ligação entre a proteína da espícula e o receptor das células. Outra mutação que também tem suscitado interesse é a 69-70del, que parece ajudar o vírus a escapar ao sistema imunitário em alguns pacientes imunocomprometidos. “Mas são precisos mais estudos e provas para compreender como o vírus se comporta”, considera Sónia Gonçalves.
Qual a presença da B.1.1.7 no mundo?
Já chegou a cerca de 60 países, incluindo Portugal. Já atingiu uma elevada prevalência em Londres e no Sudeste de Inglaterra, de acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Qual a prevalência em Portugal?
Num comunicado da última quarta-feira, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) estima que, desde o início de Dezembro, tenham sido registados, a circular em Portugal, um acumulado de cerca de 30 mil casos com a variante. Este número resultou da extrapolação de um estudo em que se avaliou a prevalência da B.1.1.7. Neste estudo, foram identificados cerca de 2100 casos positivos com esta variante nas cerca de 27 mil amostras positivas ao SARS-CoV-2, desde o início de Dezembro até meados de Janeiro deste ano. Como a Unilabs faz 7% dos testes de diagnóstico no país e houve 2100 casos positivos à variante desde Dezembro, se se extrapolar para 100% dos testes realizados, então obtém-se os 30 mil casos.
Nesse trabalho, em que se usaram as 27 mil amostras positivas, verificou-se ainda que a prevalência da variante nessas amostras foi de 13,3% na segunda semana de Janeiro, altura em se confirmaram laboratorialmente cerca de dez mil casos diários. Este resultado também acabou por ser extrapolado para todos os casos positivos no país, permitindo dizer que na segunda semana de Janeiro a estirpe tinha uma prevalência de 13,3% em Portugal.
Qual pode ser a taxa de prevalência desta semana? Uma vez que se calcula que a taxa de crescimento da variante por semana é de 70%, se acrescentarmos esse valor aos 13% de prevalência da variante na segunda semana de Janeiro e a dinâmica da infecção se mantiver, a prevalência nesta terceira semana será já à volta de 20% – o valor indicado pelo primeiro-ministro, António Costa, esta tarde de quinta-feira durante o discurso de encerramento das escolas. Se essa prevalência vier a aplicar-se a todos os casos positivos confirmados em Portugal até ao momento, isso corresponderá a 200 casos em cada 1000 positivos.
Caso a taxa de crescimento se mantiver e não se fizer nada, prevê-se nesse estudo que a prevalência da variante nos casos positivos possa atingir 60% na quinta semana do ano, ou seja, na primeira semana de Fevereiro de 2021.
No último relatório do Insa sobre a diversidade genética em Portugal, que é de 12 de Janeiro, tinha sido referido que se detectaram 72 casos associados à B.1.1.7 no país. Contudo, este trabalho não tem como objectivo detectar a prevalência de casos com a variante em Portugal, mas sim saber quantas variantes circulam no país, por exemplo.
O que nos preocupa nesta variante?
Embora se tenha vindo a sugerir que não causa uma doença mais grave, tem-se constatado que é mais transmissível do que outras variantes em circulação, o que consequentemente pode aumentar as hospitalizações e a mortalidade. Há estudos que indicam que é transmitida de forma mais rápida na população, acabando por ser cerca de 50% a 70% mais transmissível do que outras variantes em circulação. Existem ainda outros estudos que referem que esta variante pode aumentar o número R – o número de pessoas que um indivíduo infectado pode infectar – entre 0,4 a 0,7, sendo entre 50% e 70% mais transmissível.
Durante uma das reuniões do Infarmed, a 12 de Janeiro, João Paulo Gomes, investigador do Insa, assinalou que, de acordo com os dados de cientistas de Inglaterra, esta variante “tem dominado e aumentado a sua frequência relativa”, assim como parece estar associada a uma maior carga viral. Isto significa um aumento dessa carga viral até 32 vezes e poderá justifica a maior transmissão desta variante. “Temos de a parar”, já dizia então.
Já Elisabete Ramos (professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto) adiantou ao PÚBLICO que, aparentemente, não causará mais severidade da doença, e o risco da necessidade de internamento não parece ser diferente, mas pode infectar mais facilmente outras pessoas. Por isso, tem de haver um reforço para que se evite que alguém infectado com esta variante contacte com outras pessoas. Afinal, esse indivíduo terá maior probabilidade de infectar as pessoas com quem contacta.
Além do próprio vírus, a sua maior transmissão poderá estar ligada ao comportamento das pessoas e da sua adesão às medidas de controlo, bem como da gestão da pandemia.
Pode esta variante ter impacto na eficácia das vacinas?
Até agora, os estudos já divulgados sugerem que não, mas a comunidade científica tem avisado que é preciso continuar a avaliar o impacto da variante na eficácia das vacinas e se precisam de ser actualizadas.
Philip Krause, que preside ao grupo de trabalho das vacinas da covid-19 da OMS, disse ao site da revista Science que o vírus não parece ter-se tornado resistente às vacinas. Mas avisou: “Uma notícia não tão boa é que a rápida evolução destas [novas] variantes sugere que, se for possível que o vírus evolua para um fenótipo resistente à vacina, isso pode acontecer mais rapidamente do que gostaríamos.” Por isso, é importante a constante monitorização e estudo da eficácia das vacinas. Em declarações ao PÚBLICO, a virologista Maria João Amorim, do Instituto Gulbenkian de Ciência, disse serem necessárias avaliações pormenorizadas da eficácia das vacinas, bem como da prevalência de reinfecções, em pessoas já vacinadas e não vacinadas, em sítios onde as novas variantes estão a circular em comparação com locais onde essas linhagens não circulam.
Que outras variantes também são preocupantes?
A 501Y.V2, inicialmente identificada na África do Sul, já foi reportada em, pelo menos, 16 países e está ligada também a um maior potencial de transmissão. Tem uma grande acumulação de mutações, nomeadamente oito definidoras da linhagem na proteína da espícula. Além da N501Y (verificada na variante encontrada no Reino Unido), uma das mutações que pode ser preocupante é a E484K, que estará ligada ao aumento da infecciosidade. Também se tem questionado o seu impacto na eficácia das vacinas.
A outra variante que tem suscitado preocupação é a P.1, que começou por ser detectada em quatro passageiros no Japão vindos do Brasil. Veio depois a saber-se que tinha tido origem no estado do Amazonas, no Norte do Brasil. Além do Brasil e do Japão, esta variante já foi encontrada na Coreia do Sul. Também está associada a um caso de reinfecção. Felipe Naveca, investigador do Instituto Leônidas e Maria Deane (no Amazonas), disse ao PÚBLICO que esta linhagem tem “uma grande acumulação de mutações”, em especial na proteína da espícula (contabilizaram-se aí já dez alterações genéticas). Algumas das suas mutações já foram detectadas também nas variantes identificadas na África do Sul e no Reino Unido, como as mutações N501Y e a E484K.
Até ao momento, nenhuma destas variantes foi detectada em Portugal.