China barra alguns cientistas da OMS e só deixa entrar outros a medo em Wuhan
A ideia é procurar a origem do coronavírus, mas o momento é complicado. Há um novo surto que está a assustar a população e as autoridades, e o Ano Novo Chinês aproxima-se.
A China não permitiu a entrada de dois investigadores da missão científica da Organização Mundial da Saúde (OMS) que deveria finalmente ir a Wuhan, a cidade onde há um ano o novo coronavírus surgiu pela primeira vez. Ficaram barrados no aeroporto em Singapura porque nas análises a que foram sujeitos revelaram ter anticorpos para o vírus – o que não quer dizer que estivessem contaminados, mas apenas já tiveram contacto com o vírus. É mais um entrave a uma missão altamente mediatizada, num momento em que a pandemia volta a rondar a China, com o surto em duas províncias a colocar agora 28 milhões de pessoas em confinamento.
Os cientistas que têm anticorpos contra o novo coronavírus podem já ter sido vacinados, ou ter tido covid-19 no passado – a OMS não especificou qual seria a sua situação, apenas comunicou que as análises estão a ser repetidas. Pode dizer-se que todas as precauções são poucas, mas nesta pandemia com tons de disputa política desde o início – desde que Donald Trump classificou o coronavírus como “o vírus chinês” – há um enorme peso político nas medidas que estão a ser tomadas.
Os outros 12 especialistas da missão, que chegaram nesta quinta-feira a Wuhan, ficarão a cumprir quarentena duas semanas, antes de poderem dar qualquer passo para tentar descobrir qual a origem do vírus que, no final de 2019, surgiu naquela cidade e começou a espalhar-se como fogo em palha seca.
O grupo saiu do aeroporto de Wuhan através de um túnel de plástico com os dizeres “passagem de prevenção epidémica”, para embarcar directamente num autocarro que estava separado de todo o resto dos veículos e das pessoas e guardado por meia dúzia de seguranças, dentro de fatos de protecção completos, relata a agência Reuters. Os cientistas não puderam falar com os repórteres que estavam no local – o máximo que puderam fazer foi acenar e deixar-se fotografar durante este aparatoso percurso.
Esta foi a segunda missão científica da OMS autorizada pela China – a primeira realizou-se em Julho, mas não teve autorização para ir a Wuhan. Mas acontece no momento em foi confirmada a primeira morte na China devido à covid-19 nos últimos oito meses, depois de ter sido declarado o fim da crise iniciada em Wuhan no Inverno passado. A morte de uma mulher gerou conversas ansiosas online, com a hashtag “nova morte do vírus em Hebei”, na rede social Weibo, relata a BBC.
Em Wuhan o ambiente é ainda de maior tensão porque foi anunciado que uma pessoa infectada com o novo coronavírus, vinda de Hebei, circulou na cidade a 3 e 4 de Janeiro, conta o Le Monde. Há hotéis que estão a recusar hóspedes de Hebei mas também de Pequim, que fica próximo. Há receio de que a cidade volte a ser encerrada, relata o diário francês.
O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, pediu há dias aos vários níveis do Governo durante um encontro do Conselho de Estado “transparência, relatórios correctos da situação, informação epidémica rápida e certeira da situação no terreno", a propósito do surtos nas províncias de Hebei e Heilongjiang.
A missão acontece ainda pouco tempo antes do Ano Novo chinês, que este ano acontece a 12 de Fevereiro. Nesta festa, muitos milhões de pessoas deslocam-se entre regiões, regressando às suas províncias de origem, ou simplesmente fazendo férias – o que representa um momento de especial perigo em termos epidemiológicos. Esta é também a altura em que se prepara a sessão anual do Parlamento chinês, que normalmente se realiza em Março, e envolve também a deslocação de milhares de delegados – outro risco, se se pretende conter uma doença infecciosa que se transmite pelo ar.
A China controlou a pandemia com duríssimas medidas de distanciamento social, testes em massa obrigatórios, confinamentos rigorosíssimos, confinamentos impostos com dureza militar e restrições de viagens absolutas. O aniversário do início do absoluto confinamento de Wuhan, uma cidade de 11 milhões de pessoas, será no dia 23 – mais um factor a fazer aumentar a tensão no país, quando chegam os cientistas da OMS. A sua investigação terá de se basear em grande parte em amostras biológicas que lhes serão apresentadas por cientistas chineses e não em deslocações à vontade pelo país ou pela região de Wuhan, explica a BBC.
“Pode haver ainda uma longa viagem antes de compreendermos o que aconteceu [com o novo coronavírus]”, tinha dito à agência AFP, ainda antes da viagem, Peter Ben Embarek, o cientista que lidera a missão. “Julgo que não teremos respostas claras nesta missão inicial, mas estaremos no caminho”, afirmou.