Protesto nacional dos profissionais da Cultura marcado para dia 30
Na convocatória revelada esta quinta-feira, as estruturas representativas do sector dizem-se indignadas pelo facto de, “já a partir de Janeiro de 2021, os apoios para quem trabalha a recibos verdes sejam ainda menores e tenham um acesso mais condicionado do que os que existiram em 2020”.
O protesto nacional de várias estruturas da Cultura, de alerta para o que consideram a falta de respostas do Governo perante “as consequências devastadoras da pandemia”, está marcado para o dia 30 de Janeiro, foi anunciado esta quinta-feira.
“Estamos há dez meses a sofrer de forma brutal as consequências da precariedade laboral, da falta de direitos e de protecção social, agravadas pelas consequências devastadoras da pandemia, que nos conduzem, sem alternativa, à carência económica, a situações de endividamento e informalidade”, afirmou Teresa Coutinho, da Acção Cooperativista, na convocatória do protesto, em conferência de imprensa online.
O protesto “Na Rua Pelo Futuro da Cultura”, cujos moldes estão ainda a ser definidos, pretende ter âmbito nacional e é promovido por várias estruturas, entre as quais a Acção Cooperativista, o Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), a Plateia - Associação dos Profissionais das Artes Cénicas, a Associação Portuguesa de Realizadores (APR), o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (STARQ) e a Rede - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea.
“É muito importante que o Governo português perceba a força da Cultura, porque não a compreenderam completamente. Continuamos a sentir muitas dificuldades em que compreendam a dimensão destes trabalhadores e de todas as áreas que envolvem”, lamentou Rui Galveias, dirigente do CENA-STE, na conferência de imprensa.
Segundo Amarílis Felizes, da Plateia, este protesto nacional surge “em resposta à não resposta” que as estruturas receberam da tutela da Cultura, na última reunião, em Dezembro. “Achamos que estar na rua é importante para chamar a atenção e queremos respostas concretas”, disse.
Na convocatória revelada esta quinta-feira, as estruturas representativas do sector dizem-se indignadas pelo facto de, “já a partir de Janeiro de 2021, os apoios para quem trabalha a recibos verdes sejam ainda menores e tenham um acesso mais condicionado (com condição de recursos) do que os que existiram em 2020”.
Entre as exigências apresentadas pelas estruturas culturais está uma “efectiva protecção social” para os trabalhadores da Cultura, “pela perda total ou parcial dos seus rendimentos por causa da pandemia” e que essa protecção social “seja acima da linha da pobreza, que não deixe ninguém de fora e que se prolongue até ao levantamento de todas as normas de condicionamento da actividade profissional”.
Querem ainda que “as autarquias e instituições culturais paguem os eventos, espectáculos, trabalhos e actividades que são cancelados ou adiados” e que haja “enquadramento legal e fiscalização que permita garantir esses pagamentos”.
Na conferência de imprensa, a actriz Sara Barros Leitão alertou que “sempre que há um caso de covid-19 numa equipa e o espectáculo é cancelado, a maioria desses espectáculos não são pagos e são simplesmente cancelados e isso é altamente dramático. E tem a ver com a não contratação de novas actividades por parte dos municípios”, que “se demitem” de fazer os pagamentos devidos.
Para sustentar a ideia de que houve uma “falsa retoma” da actividade cultural em contexto de pandemia, Rui Galveias enumera casos de trabalhadores em “situação verdadeiramente dramática, de esgotamento financeiro, de incapacidade para pagar a renda de casa, para pagar o gás, para manter a casa quente”.
“Estamos a falar de uma dimensão humana muito grave. A falsa retoma criou a ideia de que estamos a trabalhar. Muitas destas pessoas estão a trabalhar numa dimensão completamente diferente. [...] A retoma não é fazer espectáculos em condições limite. A retoma é retomar o trabalho de uma forma normal”, disse. Quanto ao estatuto do profissional da Cultura, o sindicalista disse que “está longe de ser concluído e tem reflexos também nesta manifestação”.
A paralisação da Cultura começou na segunda semana de Março de 2020, depressa se estendeu a todas as áreas e, no final do ano, entre “plano de desconfinamento” e estados de emergência, o sector somava perdas superiores a 70% em relação a 2019.
O número foi avançado por agentes do sector, no cenário imposto pela pandemia da covid-19, e é comum a diferentes áreas, dos editores e livreiros às artes de palco, das bilheteiras de cinema e dos museus, aos promotores de festivais, deixando prever uma quebra na ordem dos 4,8 mil milhões de euros, em termos de volume de negócios, tomando por referência os números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), para a Cultura, em 2019.
Em 2019, segundo o INE, o sector mobilizou cerca de 132.200 trabalhadores e atingiu um volume de negócios de 6,9 mil milhões de euros, o que representou 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), situado nos 209 mil milhões de euros, em 2019.
A pandemia da covid-19 acabou por expor as fragilidades já existentes no sector cultural português. Os primeiros apoios do Governo para o sector foram anunciados logo em Março, com uma linha de emergência, que contou com 1,7 milhões de euros, para 314 projectos.
Seguiu-se em Junho o anúncio de três linhas de apoio, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), que só abriram em Agosto: Apoio a estruturas artísticas (três milhões de euros), apoio social a trabalhadores (34,3 milhões) e apoio a adaptação dos espaços às medidas de prevenção de contágio (750 mil euros).
Na altura, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, admitiu que “a Cultura foi dos sectores mais atingidos no meio deste “tsunami” que se abateu” sobre o país. Segundo Graça Fonseca, o apoio social de 34,3 milhões de euros estaria disponível para um universo de 18.000 beneficiários, mas os representantes do sector alertaram que nem todos o iriam receber.
Em Novembro, na discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2021, Graça Fonseca revelou que cerca de 9.000 profissionais receberam até então 12 milhões de euros de apoios da Segurança Social, incluindo o apoio social com o tecto máximo de 34,3 milhões de euros.
Apesar dos sucessivos pedidos de informação feitos pela agência Lusa ao longo de meses, o Ministério da Cultura não revelou quantos trabalhadores foram abrangidos pelo apoio social, quantos efectivamente já receberam as prestações, nem quais as entidades, e de que áreas artísticas, foram contempladas pelos apoios públicos.