O ano ainda mal começou e já sinto que vou atrasado para algum lado. Para onde? Para a próxima série, filme ou qualquer outro conteúdo audiovisual que está a ser tão devorado no dia de estreia, que rapidamente se torna num tópico de conversa. “Já viste o não sei quê?” e a resposta mais comum é um tímido “ainda não”, uma promessa que provavelmente nunca vamos cumprir.
Tenho saudades de esperar uma semana por um episódio novo. Podia acompanhar três séries em simultâneo, mas cada dia era reservado a uma só. Agora, é anarquia. É óptimo que existam muitas, de todos os tipos e feitios, para todos gostos, mas será que estamos a reflectir tanto quanto cada série, filme ou documentário nos pede? Onde antes ficava um vazio para deixar crescer a saudade, o entusiasmo e a imaginação sobre o que vai acontecer a seguir, hoje está um cronómetro apelativo e (quase sempre) irresistível: “próximo episódio em 5, 4, 3, 2, 1” e nem perguntam se precisas de ir à casa de banho primeiro.
É assim que nasce a maratona. “Hoje vou fazer uma maratona de séries”. A minha pergunta é: porquê? Uma maratona é uma prova de resistência com um objectivo final. Será o nosso objectivo apenas ver mais uma e mais uma e mais uma, tal como os maratonistas fazem com as suas corridas? Quem corre por gosto não cansa, eu sei, mas quem corre muito com os olhos postos no fim, raramente aprecia o que está à sua volta.
Contra mim falo. Os enredos estão cada vez melhores, o suspense tira-nos o sono e já ninguém parece querer sonhar. Aceito e quero recomendações, mas não posso prometer nada. Aliás, decidi escrever um texto enquanto penso na próxima série que vou ver. Hipócrita? Nem por isso, é só uma luta que tento travar e continuo a perder para todas as plataformas de streaming.
Andamos a ver séries em série, como uma fábrica que não produz e apenas consome. Eu adoro ver uma série que me faça transbordar de emoções, que me inspire, que me faça despertar, pensar, reflectir, rir e chorar. Tal como o Soul acabou de fazer comigo. Ver o filme foi garantir a mim próprio que este texto faz sentido. O Soul é o melhor e mais querido abanão para um ano que nos atirou a todos ao tapete de alguma forma. E mais não digo que não quero ser spoiler, mas que é um filme bonito, é!
Apreciar e viver as coisas maravilhosas da vida, cada momento, importante ou banal, do sol aos pingos da chuva, do primeiro mergulho do ano ao banho diário, da ementa mais gourmet a uma torrada mesmo como eu gosto. Ou mesmo como tu gostas. Ou mesmo como você gosta. O ponto é: até uma torrada pode aquecer o coração de alguma forma. E entretanto, já me cheira a queimado. Volto já.