O espectáculo do circo começa nos bastidores

Em ano de pandemia cumpriu-se uma tradição com quase 80 anos. O Circo de Natal do Coliseu está em palco até 3 de Janeiro. O espectáculo começa antes das luzes do palco se ligarem, começa nos bastidores.

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No palco, em segundo plano, mas com o mesmo nível de importância num contexto maior, uma orquestra toca para uma sala quase vazia. Em poucos minutos, à frente dos músicos, numa área reservada para acrobacias, malabarismos, truques de magia ou equilibrismo, limar-se-ão as últimas arestas de números ensaiados ao longo de semanas. É Dezembro e cumpre-se uma tradição com quase 80 anos — o Circo de Natal do Coliseu do Porto, anunciado apenas 15 dias antes de se realizar, não vai parar em ano de pandemia. Seria a primeira vez que aconteceria desde a primeira edição, em 1941. Para não defraudar expectativas, optou-se por anunciar o cartaz apenas quando existia a certeza de que seria possível subir ao placo.

O espectáculo de estreia acontecerá dali a poucas horas. Este é o último ensaio geral antes do arranque — até 3 de Janeiro, dentro das limitações impostas por força da pandemia, a sala encher-se-á todas as noites, fins de tarde ou manhãs, dependendo do que for decidido pelas autoridades competentes ao longo dos próximos dias.

A orquestra vai passando a pente fino a banda sonora composta por Filipe Raposo exclusivamente para a ocasião. É a primeira vez que arrisca numa composição para circo. Preparou-a como se estivesse a “compor para um épico”, marcando os picos de entusiasmo, de expectativa, mas também os momentos de menor tensão. Criou-a também a pensar na forma como se sonoriza um filme mudo. Para isso foi beber inspiração ao filme O Circo, de Charlie Chaplin. 

Mas até àquele momento ainda não há mais do que música a sair do palco. Faltam os artistas que vão entrar em acção em poucos minutos para dar cor às notas musicais tocadas pela orquestra e conferir-lhes um sentido. É em zona longe da vista de algum público que apareceu para este último teste antes da estreia que se escondem — nos bastidores da cena, nos corredores ou nos camarins.

Para a maior parte dos artistas, foram muitos os meses de paragem forçada. Para alguns, este é o primeiro espectáculo de 2020. Do desânimo de um ano duro para todas as formas de expressão cultural e artística partem agora para aquele que esperam ser o início da recuperação de quase dez meses perdidos — depositam em 2021, que aí vem, toda a esperança que foi esmorecendo à medida que o calendário de trabalho foi ficando com cada vez mais espaços em branco.

Nos bastidores faz-se o aquecimento para números arriscados, dão-se os últimos retoques na pintura, ajusta-se o guarda-roupa e dá-se vida a personagens.

Depois de alguns minutos de silêncio, a orquestra volta a tocar. Está na hora de começar. Ao longo de hora e meia, cada um entrará na sua vez. Sobe o primeiro número ao palco e sabe-se naquele momento que a tradição do Circo do Coliseu vai mesmo acontecer. Esquecem-se as angústias vividas fora de personagem e longe dos holofotes. O ano não foi meigo com os artistas, mas o espectáculo tem de continuar.