Em breve os doutorandos em covid vão entrar em extinção
No fim do jantar, naveguei uns minutos pelas redes sociais, estupefacta perante as mais recentes certezas absolutas dos “doutorados em covid” sobre a vacina, e com pouca paciência para os posts do costume.
- Mãe, quanto tempo demora a tirar um curso de Medicina online?
(A pergunta, vinda do filho do meio, traz água no bico.
"Nem pensar em ir para Medicina”, já me garantiu.
Fez-me reflectir por instantes se realmente existirão os ditos cursos,
uma vez que tanta gente opina sobre ciência médica,
principalmente agora, em tempos de pandemia.
Lá em casa chamamos-lhes os “doutorados em covid”.
Uma espécie de comentadores de bancada, à semelhança dos que existem no futebol.
Estes “doutorados” pululam como cogumelos, principalmente nas redes sociais.
Se nos abstrairmos de que não tem piada nenhuma, até faz rir, ler o que escrevem por aí.
Posts cheios de certezas absolutas sobre assuntos relacionados com coronavirus,
quando na verdade, não existem praticamente certezas.
Ainda tem menos piada, se o “doutorado” é algum influencer.
De fake news sobre covid estão as redes cheias,
e se distinguir o trigo do joio até para nós médicos é difícil,
quanto mais para quem não é da área.
E se for algum colega médico, o autor de um post negacionista, confesso que me belisca o nervo da paciência.
Estou farta até à medula de máscaras e desinfectantes, e de todo o pacote de rotinas
de um indigesto “novo normal” que nem eu, nem ninguém pediu.
Todos os dias acordo e julgo ainda estar a dormir, atolada num pesadelo repetido,
longa-metragem de um filme de ficção científica pré-apocalíptico.
Pela janela já amanhece e circulam pessoas com máscaras: infelizmente, é a realidade.
Rapidamente sacudo para trás das costas a neura e enfrento o “novo normal”, que nem eu nem ninguém pediu.
De nada me vale estar de neura, mais vale estar bem-disposta
e tenho muitas razões para sorrir, penso nelas enquanto cumpro as rotinas, e passa-me a indigestão.
Se alguma certeza existe é que o vírus não é fruto do imaginário colectivo mundial,
e fingir que não existe seria um genocídio tremendo, que atingiria principalmente os mais vulneráveis.
Se estas páginas que vivemos já vão ficar escritas como mais um capítulo trágico da nossa História,
imaginêmos como seria se a maioria da Humanidade fosse dar ouvidos à minoria do lado da barricada
onde a covid é vista como um micróbio inofensivo,
pelo que todas as medidas contra a pandemia não servem para nada
e são fruto de uma conspiração sociopata e castradora das liberdades individuais.
Mais vale nem imaginar.)
- Explica- me essa pergunta...
- Se eu tirar um curso de Medicina o mais rapidamente possível, posso ser vacinado mais cedo.
O tom irónico disse o resto... O meu filho do meio e o seu humor subtil.
Lá em casa, os miúdos estão bem informados.
À mesa existem cotas de tempo obrigatórias para assuntos não-covid,
para evitar que a má aura da pandemia contamine o jantar.
Soube a notícia por eles, assim que surgiu a vacina em Inglaterra.
Como todos os miúdos, também os meus tremem com a palavra vacina, mas a do coronavirus todos querem tomar.
Sabem que existem prioridades, e quando lhes disse que provavelmente iriam sobrar doses, não queriam acreditar.
- A vacina da covid devia ser obrigatória.
(Dito pela mais velha, a estudar Direito, defensora acérrima das liberdades individuais,
e constantemente a opinar sobre a anticonstitucionalidade de certas medidas.)
Demos-lhe todos razão.
Expliquei-lhes que as únicas vacinas obrigatórias do Plano de Vacinação eram as do tétano e da difteria.
Expliquei-lhes como estas doenças mataram tanta gente no passado.
Falei-lhes na varíola e na poliomielite, doenças erradicadas no mundo, graças à vacinação.
- E antes de existirem antibióticos, muitas mais pessoas morriam, até com doenças que nós já tivemos!
(Acrescentou o do meio, que nem gosta de Medicina, virado para o mais novo, de olhos arregalados.
Pois.
E quase ninguém se preocupa com eventuais efeitos colaterais, possíveis de acontecer sempre com qualquer vacina ou medicamento.
Mas mal surgiram notícias de reacções à vacina anti-covid, foram logo inflamadas pelas vozes virtuais dos doutorados,
a tentarem criar o pânico sobre o risco da vacina.
Não.
A vacina anti-covid não foi feita em cima do joelho, nem por pessoas que tiraram cursos de Medicina online,
e muito menos faz parte de um plano maquiavélico para controlar a Humanidade.
Muito pelo contrário.
A forma como a comunidade científica se coordenou em tempo recorde para que a vacina exista,
vai certamente entrar para a História, como sendo o princípio do desejado fim da pandemia.
- Mãe, quando fores vacinada, vais poder deixar de usar máscara e nós não...
- Vai demorar, ainda vos faço companhia, o tempo que for preciso.
- Mãe, e não tens medo de tomar a vacina, por causa das tuas alergias?
(Lembrou o mais novo, que já tinha ouvido falar nas reacções alérgicas em vacinados.)
- Não, filhote, não tenho medo nenhum.
Só soube que era alérgica às avelãs, depois de as comer.
Existem muitas coisas às quais podemos ser alérgicos, e não sabemos.
- E a mãe, para além de ser médica, tem asma! Tem mesmo de te proteger...
(Acrescentou o meu filho do meio, também asmático.)
No fim do jantar, naveguei uns minutos pelas redes sociais,
estupefacta perante as mais recentes certezas absolutas dos “doutorados em covid” sobre a vacina,
e com pouca paciência para os posts do costume.
Vira o disco, e toca o mesmo.
Desliguei depressa.
Até os adolescentes compreendem o que significa o conceito risco-benefício...
Felizmente a vacina está a chegar,
e os “doutorados em Covid” vão entrar em extinção.
Quando a pandemia terminar.
Não sei quando vai ser, nunca tive certeza absoluta de nada, mas tenho sempre esperança, e sempre preferi ver o copo meio cheio.
É uma questão de probabilidade. E tempo...