Cidadãos são pouco ouvidos nas decisões de saúde e isso agravou-se na pandemia
Estudo Participação Pública em Saúde – Todas as Vozes Contam é apresentado nesta quarta-feira no 4º fórum do Conselho Nacional de Saúde. “Todos os intervenientes no sistema de saúde devem reconhecer o papel importante do cidadão enquanto principal interessado, mas também parceiro”, recomenda-se no documento.
Embora a participação pública da sociedade civil nas decisões sobre a saúde seja um direito consagrado, a verdade é que é uma prática pouco corrente. Os cidadãos sentem-se pouco ouvidos na tomada de decisões e a pandemia agravou um problema que não é novo, conclui o estudo Participação Pública em Saúde – Todas as Vozes Contam. Apresentado esta quarta-feira, no 4.º fórum do Conselho Nacional de Saúde, o relatório termina com recomendações. “Todos os intervenientes no sistema de saúde devem reconhecer o papel importante do cidadão enquanto principal interessado, mas também parceiro” é uma delas.
O trabalho assenta em dois estudos que pretenderam avaliar a participação da sociedade civil nas decisões relacionadas com a saúde: um que começou antes de a pandemia chegar a Portugal e que se focou na relação dos jovens com a saúde através da realização de grupos focais (17 participantes entre os 17 e os 28 anos de meios urbanos e mais rurais) e outro sobre a participação pública na resposta à covid-19 que avaliam os primeiros seis meses da pandemia.
Na introdução, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) recorda que a participação pública nas decisões de saúde é um direito previsto, mas pouco operacional apesar da lei. Dá o exemplo do próprio CNS que só foi criado em 2016, embora estivesse previsto na Lei de Bases da Saúde de 1990, e dos conselhos consultivos dos hospitais e conselhos da comunidade dos agrupamentos de centros de saúde que “continuam, na maioria dos casos, a ser uma promessa por cumprir no que diz respeito à participação dos utentes nos processos de decisão”.
Para saber como decorreu a participação pública na resposta à covid-19 realizaram entrevistas a entidades do poder legislativo e local, associações cívicas, de utentes e sindicais. “De acordo com os resultados obtidos, a emergência da situação e a necessidade de responder de forma rápida e implementar as medidas definidas pelo poder central limitou as oportunidades de participação pública. Contudo, esta ausência de participação é reconhecida como um risco no que diz respeito à efectividade da adopção de medidas pelos cidadãos”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso.
O CNS recorda que mesmo antes dos primeiros casos confirmados, várias associações de doentes reorganizaram a sua actividade. “Contudo, embora algumas destas organizações tivessem sido proactivas a propor soluções, a receptividade que encontraram junto das entidades oficiais e governamentais foi insuficiente, o que as relegou a meros ‘destinatários dos cuidados de saúde'”, dizem, citando entrevistados.
Os entrevistados identificaram como barreiras à participação pública uma “cultura de assentimento, a tradição e a falta de hábito”. Referem ainda o facto de a sociedade “ter dificuldades ou reticências em organizar-se para a advocacia dos seus direitos” e o sistema “não fomentar a participação, não facilitar a criação de canais e meios para que esta ocorra”. Embora os entrevistados tenham perspectivas diferentes, “os pontos centrais” são comuns: “A participação pública é habitualmente escassa, tendeu a agravar-se neste ano de pandemia, e existem barreiras que precisam de ser ultrapassadas para uma maior - e melhor -participação pública em saúde.”
Jovens e a participação em saúde
Não é por isso de estranhar que a participação dos jovens não seja melhor, apesar de terem diferentes experiências. Dos participantes ouviram que “não lhes é dado espaço para a participação pública ou esta participação não resulta em decisões políticas a nível local ou central”. “A maioria dos participantes refere que a sua participação não teve qualquer repercussão nas medidas tomadas”, lê-se no documento, que também diz que “vários participantes não tinham conhecimento sobre os meios ou mecanismos disponíveis para a participação pública”.
“As principais barreiras identificadas pelos jovens prendem-se com o desconhecimento dos mecanismos e meios, falta de espaços para a participação, pouca proactividade individual, desvalorização dos seus contributos e inconsequência da sua participação”, conclui a avaliação nas suas linhas principais, referindo que o envolvimento da escola e a criação de espaços de discussão e mecanismos online podem melhorar a participação.
Outra barreira apontada é “o distanciamento geracional entre os decisores políticos e os jovens”. “O desvalorizar da opinião dos jovens e a pouca relevância das faixas etárias mais jovens nas eleições foram percepcionadas como limitadoras da criação de espaço para a participação pública”, lê-se ainda.
Roteiro da participação pública
O documento termina com as bases para “um roteiro da participação pública em saúde”, que junta várias medidas que consideram ser necessárias fazer para criar uma real participação de todos. Começa pela proposta de “uma mudança de paradigma cultural”. Isto é, “todos os intervenientes no sistema de saúde devem reconhecer o papel importante do cidadão enquanto principal interessado, mas também parceiro, que pode contribuir, com o seu conhecimento e evidência de experiência de vida, a todos os níveis do sistema”.
Defende ainda a promoção de “contextos onde o envolvimento e a participação dos cidadãos possam ser facilitados”, o que passa por criar mecanismos e espaços participativos. Considera que é preciso “incentivar a capacitação de todos os intervenientes nos processos participativos em saúde: cidadãos e seus representantes, incluindo as suas famílias, profissionais de saúde, decisores e governantes” e “desenvolver mecanismos que incentivem a aplicação dos enquadramentos legais existentes, designadamente considerar a existência de incentivos”.
Propõe que se considera “a existência de financiamento específico e sustentado para a promoção da participação pública em saúde, implementando os mecanismos e canais necessários e adequados, e assegurando também a independência das organizações representativas dos cidadãos que participam”. Termina sugerindo que se avaliem os processos participativos para que se chegue às melhores práticas nesta área.