A opinião e os leitores
Uma boa parte do correio dirigido ao provedor do leitor diz respeito a colunas de opinião. Não me cabe pronunciar-me sobre esses textos. Tal não está previsto no Estatuto do Provedor – e ainda bem. Os factos são sagrados; as opiniões são livres. Trata-se do bê-á-bá do jornalismo independente. É certo que o PÚBLICO é responsável pela escolha dos seus colunistas e que o critério utilizado pode ser discutido. Mas essa é uma área da exclusiva competência da Direcção do jornal.
Nos mails sobre as colunas de opinião existem duas situações distintas. A primeira é a do leitor que responde com a sua opinião à opinião política de um colunista. Se a sua resposta é ou não publicada depende apenas dos responsáveis editoriais do PÚBLICO, a quem ele deve dirigir-se. A página do provedor não é um espaço aberto para esse efeito, mas apenas para apreciar situações de textos noticiosos em que o jornalista possa eventualmente ter misturado a sua opinião pessoal com os factos que relata.
No que respeita a este ponto, o provedor faz sua a opinião do leitor Amadeu Branquinho: “A notícia não pode confundir-se com o jornalista. Eu desejo ler uma notícia bem noticiada e ser eu a fazer o meu juízo de valor. (…) Recuso-me a comprar um jornal para ser instrumentalizado.”
A segunda situação prende-se com apreciações genéricas dos leitores sobre o que consideram ser as opções político-ideológicas dos colunistas do jornal. Aqui vale a pena exemplificar.
O leitor Miguel Cunha, de Oeiras, escreve ao provedor: “(…) [Queria] manifestar o meu desconforto com o facto de a linha editorial do PÚBLICO se ter inclinado demasiado para uma certa esquerda cuja presença não contesto mas cuja dominância nas páginas do jornal se tornou excessiva. O PÚBLICO parece ter-se tornado quase o órgão oficioso dessa esquerda. Esta inclinação está também patente nos editoriais. Como leitor de há muitos anos, preferia que, das duas uma, ou o jornal se equilibrasse ou se assumisse. Assim é que não.”
Opinião diametralmente oposta tem o leitor Luís Guimarães: “Escrevo-lhe enquanto assinante, preocupado que o PÚBLICO dê um palco recorrente a João Miguel Tavares [e outros, como Fátima Bonifácio], onde práticas barbáricas são equiparadas a direitos básicos. Se o PÚBLICO (continuar) a dar-lhes atenção, contribuindo para a normalização de ideias que atentam contra (…) os direitos do homem, cancelarei a minha assinatura. Não me identifico com esses valores. Penso que ninguém que aprecie viver em democracia os aprecia.”
Sem apontar à direita ou à esquerda e a este ou àquele colunista, o leitor Vítor Colaço Santos, de São João das Lampas, faz apenas uma profissão de fé: “Creio na pluralidade, desde que encapotados antidemocratas não aproveitem a democracia para a destruir!”
A conclusão que se tira destas reflexões dos leitores é simples: o PÚBLICO é um jornal plural e aberto às inquietações do seu tempo, que por vezes são múltiplas e contraditórias, mas nunca de sentido único. Todas as sociedades encerram conflitos no seu seio; aquelas em que esses conflitos são discutíveis chamam-se democracias; aquelas em que eles não o são chamam-se ditaduras. Preocupante seria uma situação em que todos os leitores aplaudissem ou se queixassem do mesmo e único pendor ideológico nas páginas de opinião do jornal.
Os leitores que procuram apenas um reconforto, sem contraditório, para as suas convicções ideológicas ou políticas no PÚBLICO enganam-se no jornal. Para esse efeito, devem ler o jornal oficial ou oficioso do partido do seu agrado, de preferência o que, no seu estatuto editorial, se assuma como tal. O PÚBLICO não é o jornal de um leitor nem de um grupo de leitores. É de todos os leitores, independentemente das suas convicções.
O contrário disto conduz-nos ao “pensamento único”, expressão atribuída a Schopenhauer e popularizado nos finais do século passado pelos jornalistas Jean-François Kahn e Ignacio Ramonet [1]. Ele é sempre um perigo para a democracia. Seja esse pensamento de esquerda, de direita ou do centro, ele nega o direito à diversidade sem a qual não há pensamento livre. Há apenas dogmas. Sócrates interrogava-se sobre o homem e debatia — não impunha. Bem mais tarde, já no “século das Luzes”, Voltaire proclamava: “Não estou de acordo com o que diz, mas lutarei até à morte para que possa dizê-lo.” De facto, está tudo dito.
Os textos de opinião geram também comentários de outra natureza, alguns bem fundamentados, quando apontam as contradições em que por vezes caem os colunistas (é o caso do leitor Nuno Garrido em relação aos textos de Maria João Marques sobre a covid-19), ou quando se interrogam sobre a pertinência da coluna diária de Miguel Esteves Cardoso (M.E.C.) (o leitor José Mesquita Alves considera que ela é um exemplo de “permanente vacuidade”).
Queixa-se o leitor José Pinto Mendes, de Coimbra, de ter enviado um texto à secção das Cartas ao Director, com pedido de publicação. “(…) E salientava que, caso não pudesse ser divulgada, tivessem para comigo a normal gentileza de mo comunicar, e nem precisava que me dessem uma justificação sobre os critérios editoriais. Poderia querer publicá-la noutro lado (…).”
Reencaminhei o protesto do leitor para o jornalista José Mateus, editor de fecho e responsável pela eventual publicação das cartas enviadas ao director do jornal. Responde ele: “O leitor pedira que o informássemos caso a carta não pudesse ser publicada, mas foi. Na edição em papel de 15 de Novembro e no online).”
O leitor precipitou-se…
Outro tanto não se pode dizer do leitor José Ponte, de Londres. Escreve ele: “(…) em ambas as versões, digital e papel, uma boa proporção das fotografias e figuras (…) não tem legendas adequadas. (…) Por exemplo, na edição de 14 Nov. 2020 aparece a foto de uma pessoa que se deduz ser Rui Paula, mas que também podia ser outra ligada à mesma firma. Nas páginas 24 a 27 há fotos de sete pessoas, mas os nomes, que aparecem no texto, não estão directamente ligados às fotos. Não me parece (…) difícil (verificar) que todas as fotos e figuras têm legendas adequadas. É uma disciplina editorial que não vejo falhar noutros jornais como El País, The Guardian ou Le Monde.”
Questionado pelo provedor, o director adjunto Tiago Luz Pedro admite que o jornal errou: “Tem razão o leitor no reparo que nos faz. A norma no PÚBLICO é que todas as fotografias sejam legendadas e que a legenda sirva inclusive como complemento da informação em título e entrada, como aliás se estabelece no nosso Livro de Estilo. Tal não impede que por vezes se recorra a soluções mais criativas, por exemplo em entrevistas, quando se considera que o protagonista está já devidamente identificado e que em vez da legenda se opta por usar uma citação. Mas a regra é que as imagens sejam sempre legendadas, e as excepções, que serão raras, resultam de eventuais erros de edição.”
“Estamos cientes de que esta prática é mais seguida na edição impressa do que no digital, onde o caudal de informação nem sempre nos permite cumprir o desejado processo de verificação e controlo editorial em todos os momentos do dia. É uma questão que urge corrigir e para a qual a redacção do PÚBLICO continuará a ser sensibilizada.”
O provedor faz votos de que a declaração de intenção do director adjunto, tanto no que respeita ao papel como sobretudo ao digital, não seja apenas uma intenção piedosa.
Perante a volumosa correspondência dirigida ao provedor a propósito do “novo rosto” do PÚBLICO, voltarei ao tema nas próximas semanas.
[1] Respectivamente, à época, fundador do semanário L’Événement du jeudi e director do Le Monde Diplomatique