EUA: número de mortes por covid-19 atinge níveis sinistros nunca vistos desde o início da pandemia
“Se não fizermos as coisas bem, a América verá os dias mais sombrios da história da sua medicina moderna”, disse o médico Joseph Varon, de um hospital em Houston. Em El Paso foi preciso chamar a Guarda Nacional para lidar com o grande número de corpos.
O número diário de mortes devido ao coronavírus nos Estados Unidos atingiu níveis nunca vistos desde o início da pandemia de covid-19. O aumento do número de pessoas hospitalizadas é um sinal sinistro de que o aumento de casos nesta fase da pandemia está a mostrar o seu impacte mortal e que o país tem mais meses sombrios pela frente.
Na quarta-feira, os Estados Unidos registaram mais de 2200 mortes – o maior aumento num único dia desde 6 de Maio. Manteve-se a média de sete dias seguidos de mortes acima de 1600, um número comparável ao do primeiro pico. Mas o dia elevou o total de óbitos nos Estados Unidos para mais de 261 mil.
Ainda que menos pessoas com teste positivo morram agora, o grande número de infectados aumentou nas últimas semanas, o que, por sua vez, gerou um aumento no número de mortes, e os especialistas em saúde dizem que os números podem piorar nos próximos meses, à medida que familiares e amigos viajam e se reúnem para comemorar o feriado do Dia de Acção de Graças, que se celebra nesta quinta-feira, acelerando a disseminação do vírus.
“A menos que haja uma mudança radical nas atitudes e uma maior adesão às medidas de controlo de saúde pública, é provável que as coisas piorem”, disse Sten Vermund, director da Escola de Saúde Pública de Yale.
Só na quarta-feira, os Estados Unidos registaram mais de 185 mil novos casos de coronavírus – um número que supera os números diários de Maio, quando no auge da primeira onda da doença os Estados Unidos registaram um pouco mais de 33.000 novos casos num único dia.
Em parte, este aumento deve-se ao maior número de testes que estão a ser realizados, mas não há dúvida de que os Estados Unidos estão a passar por um surto mais sério do que o anterior. É uma realidade que confunde muitos americanos, que vêm as mortes aumentarem, ao mesmo tempo que ouvem falar numa vacina iminente.
Hospitais cheios
A proporção de mortes entre os pacientes com covid-19 caiu, em parte, porque os médicos já têm formas de combater a doença, mas também porque aqueles que estão a ficar infectados agora são, em média, mais jovens. Mas os infectados estão a inundar os hospitais. Às 19h de quarta-feira, havia 89 mil hospitalizados nos EUA, um recorde. “O desafio é reduzir a transmissão”, disse Vermund. “Precisamos de reduzir o número absoluto de casos.”
Vários estados e jurisdições aumentaram as restrições nas últimas semanas para tentar conter a disseminação do vírus. A presidente da câmara de Colúmbia, a democrata Muriel Bowser, por exemplo, proibiu na quarta-feira reuniões com mais de dez pessoas. O governador da Virgínia, Ralph Northam, também democrata, já tinha reduzido o número de pessoas em reuniões, na rua ou dentro de edifícios, de 250 para 25. E impôs novos limites para restaurantes e lojas.
O governador republicano do estado de Maryland, Larry Hogan, exigiu que bares e restaurantes fechem às 22h e reduziu a actividade de outros negócios. E a National Football League adiou o jogo do Dia de Acção de Graças entre o Baltimore Ravens e o Pittsburgh Steelers por terem surgido casos de covid-19 nos Ravens.
Joseph Varon, chefe de equipa do Hospital United Memorial, em Houston (no Texas), disse à CNN na quarta-feira que o hospital abriu duas alas adicionais para acomodar o fluxo de pacientes esperado após o Dia de Acção de Graças. O hospital está a receber pacientes vindos de El Paso, também no Texas, para onde a Guarda Nacional foi chamada para ajudar a lidar com o grande número de corpos.
“Se não fizermos as coisas bem, a América verá os dias mais sombrios da história da sua medicina moderna”, disse Varon, acrescentando que muitos doentes estão a atrasar a sua ida ao hospital devido ao “síndrome da fadiga do corona”.
O Presidente eleito, Joe Biden, também abordou a ideia da “fadiga” do coronavírus na quarta-feira, num discurso em Wilmington, no Delaware, onde tem a sua principal residência – pediu aos americanos para não baixarem a guarda por estarem impacientes com a duração da pandemia.
Lamentando o número de mortos, Biden disse que ele e a família renunciavam às tradições do feriado e incentivou outros a fazerem o mesmo, pedindo-lhes também que usem máscara e mantenham a distância. “Cada um de nós tem a responsabilidade de fazer o que puder para impedir a disseminação do vírus”, disse Biden. “Cada decisão que tomamos importa, cada decisão que tomamos pode salvar vidas. Nada do que estamos a pedir é uma declaração política – cada pedido é baseado na ciência, ciência real. ”
Mas o número de mortes ocorre num momento em que parece cada vez mais provável que o fim da pandemia esteja à vista. Três parcerias ou empresas farmacêuticas anunciaram resultados positivos de testes em estágio final de uma vacina contra o coronavírus: a Pfizer e seu parceiro alemão BioNTech, além da Moderna, divulgaram ter feito testes clínicos de vacinas que foram 95% eficazes. E uma vacina da AstraZeneca foi 70% eficaz em média, com até 90% de eficácia num grupo menor que recebeu uma dosagem mais baixa.
As vacinas precisam da aprovação da Food and Drug Administration dos EUA [equivalente ao português Infarmed], e levará tempo para produzir doses suficientes para inocular uma porção significativa da população. Espera-se que os grupos mais vulneráveis, incluindo trabalhadores de saúde e idosos, sejam vacinados primeiro, e isso pode diminuir o número de mortes.
Marco trágico
Um novo estudo divulgado na quarta-feira revelou que o número de mortes por covid-19 em lares de idosos e outras instalações de cuidados de longo prazo ultrapassou os 100 mil desde o início da pandemia, representando cerca de 40% de todas as mortes nos EUA. “Este é um marco sinistro e trágico ‘’, disse Tricia Neuman, uma das autoras do estudo e vice-presidente da Kaiser Family Foundation, uma organização sem fins lucrativos que estuda questões de saúde. Neuman acrescentou que o número foi atingido “semanas antes do aumento de novos casos esperado” depois deste Dia de Acção de Graças.
A distribuição a breve trecho de uma vacina, disse Vermund, “provavelmente não reduzirá o número absoluto de casos de maneira muito dramática”, porque no início estará disponível apenas para os mais vulneráveis, que provavelmente não espalharão tanto o vírus como os mais jovens, que são mais activos. Vermund também rejeitou a noção de que o actual crescimento de casos pode significar que os Estados Unidos estão à beira da imunidade de grupo, o que significa que um número suficiente da população não contrai a doença e a sua disseminação é interrompida.
“Não chegaremos à imunidade de grupo sem uma vacina.” O aumento actual do número de casos e de mortos não se limita a uma área do país, e Vermund disse estar preocupado com o facto de que mesmo alguns lugares onde o uso de máscara é generalizado parecem estar a apresentar picos.
Na quarta-feira, segundo os dados fornecidos às 19h, cinco estados – Washington, Nevada, Texas, Califórnia e Massachusetts – registaram novos máximos de infecções num só dia. Quatro estados – Ohio, Utah, Iowa e Tennessee – atingiram novos máximos de mortes num só dia, enquanto nove estados – Ohio, Utah, Wyoming, Tennessee, Oregon, Wisconsin, Illinois, Missouri e Minnesota – registaram novos máximos na média de mortes a sete dias.
Mais infecções a seguir ao feriado
Especialistas em saúde pública temem há muito tempo que o coronavírus possa aumentar nos meses mais frios durante a temporada de gripe tradicional, à medida que mais pessoas se juntam nas casas ou que se cansam de ter as suas actividades sociais limitadas. As autoridades esperavam poder entrar na temporada da gripe com a transmissão do coronavírus em baixa, contida com as medidas de saúde pública, como o uso de máscara, o distanciamento físico e a lavagem das mãos.
Mas está agora claro que isso não vai acontecer, e os especialistas estão cada vez mais preocupados com as próximas datas festivas. Dados da Administração de Segurança do Transporte sugerem que as viagens para celebração deste dia de Acção de Graças caíram em comparação com o ano passado. Mas ainda está alto o seu número – 912.000 viajantes na terça-feira, no ano passado foram mais de 2,4 milhões. Na terça-feira da semana passada este departamento rastreou 611 mil viajantes, o que significa que, apesar dos apelos, muitos americanos decidiram mesmo viajar no feriado.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post