França debate os testes de virgindade
Não se sabe quantos destes exames são realizados anualmente, mas os médicos dizem que observam adolescentes e jovens, muitas vezes sob pressão familiar.
A França está dividida relativamente aos planos para banir os testes de virgindade, com alguns activistas apelidando-os de “bárbaros” e outros alertando para as repercussões violentas que algumas mulheres muçulmanas poderão sofrer se não os fizerem. Pelo menos em 20 países, as mulheres são submetidas a testes de virgindade, por vezes à força, já que famílias, namorados ou potenciais empregadores utilizam-nos para avaliar a sua virtude, honra ou valor social, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na Europa, os testes são ainda realizados na Bélgica, Holanda, Grã-Bretanha, Suécia e Espanha.
Em França, os testes são usados por muçulmanos, mas também por famílias ciganas que desejam uma prova de virgindade antes do casamento. A ONU diz que o teste é doloroso, impreciso e é uma violação dos direitos humanos, sem lugar na sociedade moderna. Contudo, nem todos concordam, com alguns especialistas temendo as consequências da sua proibição, uma proposta que faz parte de um projeto que será apresentado no Parlamento no próximo mês.
Para os médicos, a proibição destes testes pode levar a que as mulheres façam exames ilegais e paguem muito pelos mesmos. Ou, a que se arrisquem a reacções violentas por parte dos familiares. “Penalizar os médicos é fechar a única porta para as pacientes, aquela onde eles poderiam encontrar ajuda e aconselhamento”, declara Ghada Hatem-Gantzer, ginecologista em Paris e médica-chefe da Maison des Femmes, um abrigo local para mulheres vítimas de violência.
“Sem dúvida, que promove um mercado negro de certificados pelos quais farmácias duvidosas cobram preços elevados”, continua a especialista. Antes de emitir um certificado de virgindade, o médico geralmente inspeccionas o hímen da mulher — o tecido fino que pode cobrir parcialmente a vagina — verificando se há lacerações ou medindo a abertura.
Embora o governo francês não tenha dados, muitas associações e think tanks afirmam que o país tem a maior minoria muçulmana da Europa, cerca de cinco milhões, ou seja, entre 7 e 8% da população. Não se sabe quantos destes exames são realizados anualmente, mas os médicos dizem que observam adolescentes e jovens, muitas vezes sob pressão familiar. “Não há dados, oficiais ou não, sobre o número de pedidos de certificados de virgindade”, informa Martine Hatchuel, ginecologista de Paris. “Pessoalmente, tenho cerca de dois a quatro pedidos por ano, quase sempre são jovens trazidas pelas suas mães.”
Os médicos dizem que as mulheres solteiras temem ser rejeitadas se não puderem mostrar um certificado. “A motivação é sempre: ‘São meus pais, os meus sogros, o meu namorado... Se dependesse de mim não pediria nada’”, testemunha Hatem-Gantzer, acrescentando que o grande medo destas jovens é ficarem solteiras.
Uma protecção para as mulheres
Os certificados de virgindade podem ajudar a proteger as mulheres que são suspeitas de praticar sexo ilícito de uma possível condenação, considera Liza Hammer do Collectif Nta Rajel, um coletivo feminista francês para emigrados do Norte da África. “As mulheres devem ser protegidas e não impedidas de ter um pedaço de papel de que precisam para salvar as suas vidas”, defende.
Sob o projeto de lei, o presidente Emmanuel Macron propõe um ano de prisão e uma multa de 1 mil euros para qualquer profissional de saúde que emita um certificado de virgindade. A ideia por detrás desta proposta é reforçar os valores seculares e combater o que o governante chama de “separatismo islâmico” que, segundo ele, ameaça invadir algumas comunidades. Os ministérios do Interior e da Saúde não se mostraram disponíveis para comentar este tema.
Embora não sejam a favor dos testes, médicos e grupos de direitos das mulheres temem que algumas meninas e jovens possam ser vítimas de abuso senão tiverem um certificado que ateste a sua virgindade. “Em certas situações extremas, a única saída para as mulheres é romper com a família ou recorrer ao mercado de virgindade, fazendo o teste”, refere em comunicado o ANCIC, uma associação de aconselhamento sobre aborto. “Os profissionais precisam fazer a escolha que lhes parece mais ética”, acrescenta
Numa carta aberta a um jornal francês, um grupo de dez médicos classificou os testes como “bárbaros, retrógrados e sexistas”. Mas admitem que bani-los poderá ser ainda pior, se as mulheres correrem risco de vida. Em vez de proibir é preciso educar, defende o ANCIC. Punir os profissionais de saúda não resolve o problema de raiz, já que o problema está nas comunidades muçulmanas que vivem com medo e na ignorância, escrevem os dez médicos.
Claudia Garcia-Moreno, dirigente responsável Violência contra as Mulheres na OMS, concorda, dizendo que a educação “culturalmente sensível” deve ir de mãos dadas com qualquer proibição para evitar que os exames sejam clandestinos. “É preciso incluir mulheres e meninas que entendam seus direitos e protecções”, defende. “A nossa única saída é educar os jovens, ir ao encontro dos pais e convencê-los. Fica mais caro e é mais cansativo do que, simplesmente, banir, mas é mais eficaz”, conclui a médica Hatem-Gantzer.