O impacto económico e social da crise sanitária que vivemos
Em poucos meses, de uma crise de saúde pública, a gravidade da pandemia tornou-se um desastre económico, com perdas inimagináveis, levando o FMI a adiantar que 2020 ficará marcado por uma recessão global tão má ou pior do que a verificada durante a crise financeira iniciada em 2008.
As nossas rotinas foram abruptamente interrompidas. Para as actividades que o permitem, fazemos das nossas casas escritórios e nem sabemos bem que papel desempenhar em determinados momentos do dia. As roupas que compramos especialmente para trabalhar ficam guardadas e outras mais confortáveis ficam mais tempo no corpo. Deixamo-nos dormir mais um bocado e não nos importamos de ficar um bocadinho mais depois da hora ou de ajustar a agenda de modo a abarcar alguns compromissos pessoais, sempre que seja conciliável. Falamos de flexibilidade.
Poupamos o tempo que antes despendíamos nos transportes e começamos a tomar mais vezes o pequeno-almoço, com calma e sem o stress do trânsito matinal. Passamos mais tempo em família e cozinhamos mais, comemos melhor. Falamos de qualidade de vida e de conforto.
Mas, por outro lado, sentimos falta do ambiente do escritório, de nos reunirmos com os colegas, do “bom dia” e de um sorriso expressivo, de discutirmos assuntos presencialmente, dos almoços, jantares e dos cafés animados, de um bom momento de confraternização de fim de tarde. Foi uma mudança radical e forçada, mas necessária, face ao momento que atravessamos.
O mercado de trabalho mudou radicalmente nos últimos meses em resultado da crise sanitária que vivemos.
As organizações passam pelo gigante desafio de se adaptarem às exigentes medidas impostas. Os escritórios reorganizados, os espaços limitados ao nível da sua capacidade, os processos digitalizados, os sistemas recapacitados para abarcarem um maior número de utilizadores online. Resumindo, um grande investimento humano e financeiro é despendido para que o fornecimento de bens e serviços continue a ser oferecido com normalidade. Falamos de um investimento considerável para as empresas e na premência de um comprometimento crescente dos seus funcionários.
Os jovens, além de verem a sua educação interrompida ou dificultada, enfrentam perspectivas de precariedade alarmantes, e vimos isso em crises passadas, estimando-se especialmente a difícil entrada no mercado de trabalho para os recém-formados. Estes e os profissionais que activamente procuram novas oportunidades atravessam um período de penosa instabilidade. Muitas portas se fecharam como que de uma corrente de ar se tratasse. Muitos projectos congelados face à incerteza instalada. Os precários mandados embora, muitos sem outro apoio ou rendimento, pesando assim sobre os rendimentos das famílias.
Em poucos meses, de uma crise de saúde pública, a gravidade da pandemia tornou-se um desastre económico, com perdas inimagináveis, levando o FMI a adiantar que 2020 ficará marcado por uma recessão global tão má ou pior do que a verificada durante a crise financeira iniciada em 2008: e permitam-me apenas reforçar que, no mercado de trabalho, a pandemia acabou com o progresso atingido na década passada, após a crise financeira global, segundo previsões da OCDE. No Turismo e Restauração, sector de grande importância para a saúde económica nacional, a região do Algarve poderá ver grande parte dos empregos perdidos e podemos prever inúmeros encerramentos de estabelecimentos a nível nacional. No mundo, o Banco Mundial estima uma das recessões mais profundas das últimas décadas. E no presente paira sobre nós o medo e a incerteza acerca do desfecho e do impacto da pandemia nas nossas vidas.
O papel da finança e das instituições financeiras ao serviço da sociedade
Neste contexto, estou certo de que tais situações levantam, ou levantaram em algum momento das nossas vidas, questões não só acerca do papel da finança e dos diversos agentes do sistema financeiro, mas também acerca do sistema financeiro como um todo, e sobre o papel da finança enquanto ciência funcional e fonte de inovação económica ao serviço de uma sociedade responsável. Por sua vez, sociedade responsável, do inglês good society, é introduzida aqui para descrever o tipo de sociedade que devemos ambicionar viver, normalmente vista como uma sociedade igualitária, em que todas as pessoas se respeitam e se valorizam umas às outras.
Por norma, caro leitor, em sentido restrito, diria que a finança é entendida como a ciência e a prática da gestão da riqueza, que versa a ampliação das carteiras de investimento e da gestão dos seus riscos e obrigações fiscais — garantindo que os ricos ficam mais ricos. Neste contexto, a finança é, com muita frequência, envolta de um sentimento confuso ou manipulador, que ofusca o seu papel fundamental na persecução por uma sociedade próspera e igualitária. Portanto, para além deste, existe um outro sentimento, assente na beleza, devido àquilo que ela cria. Pois está relacionada com os desejos humanos e age como agente facilitador das actividades quotidianas que constituem as nossas vidas.
Num sentido mais amplo, podemos dizer que a finança é a ciência da arquitectura de objectivos, que envolve a estruturação de acordos económicos e a gestão dos activos necessários à persecução desses objectivos — os da sociedade (das pessoas). Os objectivos servidos pela finança têm origem em cada um de nós, reflectem os nossos interesses pessoais, as nossas ambições profissionais, as nossas aspirações culturais e os nossos ideais para a sociedade em que vivemos. Como tal, esperam-se muito diversos e em constante inovação. É também importante perceber que a finança, por si só, não incorpora um objectivo. A finança é sim um veículo que nos ajuda, ao indivíduo e à sociedade, a atingir um determinado fim, isto é, um objectivo.
Mas, então, como pode a finança promover a liberdade, prosperidade, igualdade e segurança económica em tempos difíceis?
Utilizada correctamente, a finança tem o poder de gerar elevados níveis de desenvolvimento e prosperidade. Para isso, as instituições financeiras de uma sociedade necessitam de estar perfeitamente alinhadas com os seus objectivos e ideais. Por sua vez, a concretização desses objectivos requer uma administração diligente dos activos necessários e envolve a cooperação de diversos agentes, de âmbito global. Correctamente configurada e com visão de futuro e promoção de bem-estar e de realização colectiva, não discriminatória, global, unificada e de expansão, a finança pode ser uma força poderosa para atingir os objectivos da sociedade em que todos desejam viver.
Para os líderes, diria que o maior desafio consiste em entender que a finança necessita de servir a sociedade como um todo, em todas as suas classes e segmentos económicos e sociais, e proporcionar que os seus produtos, mais ou menos estruturados, mas cuidadosamente seleccionados, sejam acedidos e utilizados por todos de uma forma mais adequada e eficaz na economia. Para isso, a finança necessita de continuar a quebrar as barreiras do presente e sair à descoberta do mundo e das suas oportunidades, no que liga à tecnologia e às necessidades e estilo dos tempos modernos. Tudo isto implica um trabalhoso e constante aperfeiçoamento das instituições financeiras ao nosso serviço.
E o futuro, como será? Como o imaginamos? Muito diferente do que era antes da pandemia?
Deixo-vos com o futuro em aberto, para que fomente as vossas reflexões pessoais sobre o que aqui elencamos. Boas leituras.