Paulinho, o goleador discreto que já tem curso de treinador

Chegou à ribalta aos 25 anos e à selecção aos 28, estreando-se a marcar em duplicado. Como técnico, tem o nível I, mas para já faz do golo o seu ofício. No Sp. Braga, viu os números e a notoriedade dispararem.

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Paulinho em acção pela selecção portuguesa LUSA/ANTONIO COTRIM

Um jogo, dois golos. Foi contra a frágil Andorra, é certo, mas Paulinho estreou-se a preceito na selecção portuguesa como “novo bebé” de Fernando Santos – que chegou, frente à selecção dos Pirenéus, aos 47 jogadores lançados na equipa nacional.

Na frente de ataque, como se esperava pelo cariz do jogo, pontificou Paulinho, que já pode dizer aos netos: “Joguei na selecção nacional”. O percurso no Sp. Braga pedia há muito – e para muitos – a chamada à selecção nacional, mas os desempenhos de jogadores como André Silva ou Gonçalo Paciência foram adiando o sonho do avançado de Barcelos.

João Paulo Fernandes, Paulinho, para os amigos – um diminutivo estranho para quem cabeceia do alto de quase 1,90m –, chega à elite nacional através de uma carreira incomum. Não nasceu no “berço de ouro” da formação dos três “grandes” e demorou a chegar ao alto nível. Demorou muito.

Notabilizou-se só aos 25 anos e chegou à selecção nacional aos 28. Um percurso que lhe retirou a possibilidade de uma longa vida no futebol de topo, mas que lhe deu, por outro lado, a valência de lidar com os novos desafios sem a tremedeira natural de um jovem inexperiente. E Paulinho é mesmo isto: sangue frio e tranquilidade.

“É um miúdo muito tranquilo, muito calmo, muito na dele”, define ao PÚBLICO Diogo Valente, que foi colega de equipa de Paulinho, acrescentando, sobre a personalidade do avançado: “Não gosta de dar nas vistas e de ser extravagante. Prefere estar recatado. No balneário, gosta de participar nas brincadeiras, mas não é aquele que se afirma como ‘palhaço’. É divertido, mas gosta de estar na dele”.

“Nunca pensei que chegasse tão longe”

Antes de algumas histórias sobre João Paulo importa perceber quem é Paulinho – o jogador. Formado no Santa Maria, pequeno clube de Barcelos, Paulinho não deu nas vistas ao ponto de ser “pescado” por clubes mais poderosos. E a estreia sénior foi feita na antiga III divisão, ainda no modesto clube minhoto – o mesmo que, com dedo para avançados, já deu ao futebol nomes como Nélson Oliveira e Hugo Vieira.

Quem jogava com Paulinho em Barcelos, antes do salto para o Trofense, não via ali um futuro companheiro de Cristiano Ronaldo na selecção nacional. Zé Pedro, jogador com muitos anos de Santa Maria, reconhece que “estaria a mentir se dissesse que já previa que o Paulinho chegasse à selecção”. “Mas claramente que com 18 anos já se destacava e previa-se facilmente que atingiria o profissionalismo e, com alguma sorte, aliada ao muito talento, poderia ser um bom jogador de I Liga”.

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Paulinho a celebrar um golo pelo Sp. Braga

Mais tarde, já “caçado” para a I Liga pelo Gil Vicente – onde o então presidente, António Fiúza, torceu o nariz quando o Professor Neca lhe sugeriu que fosse buscar o miúdo do Trofense –, Paulinho ainda não marcava golos. Pelo menos, não nas doses em que o faz agora.

Diogo Valente lembra-se desse Paulinho. “Sou sincero, na altura não esperava que ele chegasse tão longe. Nunca pensei. Mas o facto é que, nos últimos anos, a evolução dele já justificava este passo [selecção nacional]”.

“Uma azia tremenda com José Mota”

Mas como se explica que um futuro avançado de selecção não conseguisse ser goleador no Gil Vicente? Com apenas quatro golos em duas temporadas, aquele não era jogador de altos voos. Era um bom jogador. Apenas isso.

Diogo Valente tem uma explicação que é, em simultâneo, um cartão-de-visita da personalidade do ex-colega. “Ele nessa altura não jogava a ponta-de-lança, porque o José Mota optava por colocá-lo na ala. Mas ele não tem características de ala, é um nove com o qual qualquer ala gosta de jogar”, começa por explicar, não escondendo o mau feitio de Paulinho: “O facto de não jogar na sua posição deixava-o chateado. Que fique claro: o Paulinho sempre respeitou as opções do Mota, até porque é um miúdo muito educado. Mas a verdade é que ele ficava com uma azia tremenda ao Mota e mostrava insatisfação. Ele era assim meio “ranhoso” e tem aquele feitiozinho dele quando não gosta de algo”.

Com ou sem influência do mau feitio, o certo é que Paulinho começou a jogar no centro do ataque – primeiro num sistema de dois avançados, mais tarde como único ponta-de-lança. Na altura, foi Álvaro Magalhães o autor da proeza.

“Já o conhecia do Trofense e, na altura, penso que foi uma boa aquisição do Gil Vicente. Contudo, andou três ou quatro anos a não fazer nada. Isto é a realidade. Não o trabalharam de forma a que ele conseguisse ter sucesso. Quando ele saiu do Trofense era um ponta-de-lança, não um médio organizador, como chegou a ser utilizado”, explicou o ex-internacional português em 2017, ao Bancada.

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Paulinho em acção pelo Gil Vicente

Nuno Sousa, que treinou o jogador no Santa Maria – e que reconhece que chegou a pagar jantares a Paulinho, por apostas perdidas por golos do avançado – define o ex-pupilo como capaz de jogar em vários sistemas. No Sp. Braga, Paulinho já jogou como ponta-de-lança, mas também com “companhia”, tal como na selecção poderá ter de representar ambos os papéis.

“Começou como médio-ofensivo nas camadas jovens e depois evoluiu para avançado. No primeiro ano de sénior eu jogava com dois avançados e percebi que, nessa táctica, ele seria um jogador tremendo, com uma grande capacidade de recepção de bola e muito forte entre linhas. Para a estatura que tem é muito rápido e movimenta-se muito bem. É determinante na finalização e também no jogo aéreo, onde foi evoluindo. Lembro-me de estar duas a três horas a treinar cruzamentos e lances aéreos com ele”, lembrou Nuno Sousa, em 2017.

Paulinho já existe no FIFA

Em 2015, o Gil Vicente caiu. E Paulinho caiu também. Incapaz de ser decisivo na I Liga, o jogador teve, na II divisão, o palco ideal para mostrar o que sabia fazer. Nove golos na primeira época, 20 na segunda. E o Sp. Braga à perna. Sempre perto de casa – só um ano de Trofense o tirou do Minho –, Paulinho trocou o Gil Vicente pelo Municipal de Braga.

A partir daqui poucos precisarão de legenda para o que se passou. Golos, golos e mais golos, mesmo não sendo um avançado egoísta – o próprio Paulinho já chegou a dizer: “Não sou garganeiro em frente à baliza”.

Já com curso de treinador de nível I - uma ferramenta para o ajudar a compreender o lado estratégico do jogo - Paulinho faz, por enquanto, do golo o seu ofício. São já 55 em pouco mais de três temporadas e é, sobretudo, o trabalho que faz no ataque bracarense, mesmo quando não marca, que o distingue.

O trabalho que, no último Verão, fez de Paulinho o jogador que Rúben Amorim via como ideal para liderar o dinâmico ataque do Sporting – e o técnico “leonino” deixou claro que, para si, ou chegaria Paulinho ou não chegaria nenhum outro.

“Quando o Paulinho subiu aos seniores, no Santa Maria, passávamos muitas tardes a jogar FIFA, antes dos treinos, e já aí a competitividade dele era muito vincada”, recorda Zé Pedro.

Nessa altura, ainda não havia Paulinho no famoso videojogo. Agora já há. E esta é uma trivialidade que atesta o estranho – mas notável – crescimento deste jogador.

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