Um desabafo de uma trabalhadora-estudante
É abdicar de saídas com amigos, interesses pessoais e vida social para tentar acompanhar tudo. É caminhar mais depressa para não perder nada à nossa volta, e mesmo assim vamos perder e vamos ficar cansados. Mas vamos tentar de novo, porque aprendemos a esforçar-nos em dobro.
O desafio de um jovem se desdobrar. Ser trabalhadora-estudante resume-se a saber viver com o cansaço, físico e psicológico. Mas é muito mais do que um constante cansaço: é um desafio, um daqueles grandes, onde se aprende mais do que se espera. Onde se ganha mais do que perde, mesmo que não pareça, aliás, não parece.
O principal motivo para estudar e trabalhar ao mesmo tempo é a faltas de apoios — as bolsas não chegam a todo o lado, nem a todos a quem devia chegar. O que rói por dentro, a quem possui este “estatuto”, é a injustiça, que leva jovens a procurar outras saídas, para complementar com a universidade, ou não.
Sente-se que os dias são demasiado pequenos para conciliar tudo, mas também demasiado longos quando a única coisa que precisamos é desligar. Desligar das preocupações e do mundo real.
É abdicar de saídas com amigos, interesses pessoais e vida social para tentar acompanhar tudo. É caminhar mais depressa para não perder nada à nossa volta, e mesmo assim vamos perder e vamos ficar cansados. Mas vamos tentar de novo, porque aprendemos a esforçar-nos em dobro, quando reina a força de vontade. Mas quando essa nos falha, nós também falhamos, falhamos com os que nos são próximos, falhamos na faculdade e falhamos no trabalho. Aí surge a questão depois de um dia esgotante: Vale a pena o esforço?
Os empregos maioritariamente passam pelo atendimento ao público (não desprezando), seja num call center, supermercado, restaurante, etc. O que nos interessa é trabalhar, mesmo que, por vezes, nem nos sintamos realizados. Estes também nos ensinam muito. Sobre as pessoas principalmente. Ensinam-nos a valorizar o outro, esse tal outro, de quem sabemos zero.
A pandemia só veio agravar o cenário. Os apoios não aumentaram, nem se estenderam até onde deviam. O que se vê são perdas nos rendimentos familiares, que resultam em maior procura de emprego da parte dos estudantes.
Estando do lado de lá, da caixa, ou do lado de lá a assegurar coisas que consideramos banais, como uma operadora de supermercado, percebi como é urgente que haja mais empatia, que nos coloquemos no lugar do outro. Porque se a pandemia podia suscitar mais empatia pelo outro, isso durou pouco. Algo que serve para qualquer situação, mas que não deixa de ser uma grande verdade: nunca sabemos tudo sobre o outro, mesmo que o achemos. Que o orgulho de fazermos parte “do lado de lá” nunca nos falte, mesmo que à partida nos ponham rótulos, porque acontece, muito, quando vêem um/a jovem do “lado de lá”. E ouvimos coisas como: “E estudar?”. Isto não é sobre nós, é sobre quem o diz e pensa.
Ser trabalhador-estudante ensina-nos muito sobre o outro, mas também sobre nós. Aprendemos sobretudo a valorizar. Aprendemos a definir prioridades e a gerir o tempo, esse que é escasso. A saber lidar com o stress. A perceber que o amanhã é sempre um novo dia, cheio destes desafios, mas também com espaço a vitórias. Porque, por vezes, até pode faltar a energia para estudar depois de um dia de trabalho, mas passamos a valorizar as coisas mais pequenas e até as idas à faculdade têm um sabor diferente.
Podemos sentir que falta compreensão. Faltam apoios. Falta a famosa empatia. Mas se, afinal, vale apena o esforço? Sim, porque vendo bem tornamo-nos melhor pessoas. Andamos, e damos mil, mesmo quando nem estamos a cem.