Ministra da Justiça em silêncio sobre queixas de violação de direitos humanos em cadeia feminina

Falta de medicação e de produtos de higiene pessoal estão entre as queixas das reclusas de Tires, onde surgiram mais de 100 casos de covid-19.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, não fez esta segunda-feira de manhã no Parlamento qualquer alusão às queixas de violação de direitos humanos na cadeia feminina de Tires, onde um surto de covid-19 atingiu pelo menos 128 reclusas. Já a deputada socialista Elza Pais mostrou-se preocupada com as consequências da pandemia neste estabelecimento prisional, tendo manifestado intenção de acompanhar o problema nos próximos dias.

Foi depois de se conhecer a existência do surto, na semana passada, que começaram a surgir as primeiras queixas de que as mulheres infectadas alegadamente deixadas à sua sorte nas celas, em isolamento, sem acesso não só a produtos básicos de higiene, como champô, mas também a água e até a medicação. Falava-se ainda em atrasos na distribuição das refeições e na falta de material de limpeza das celas. Neste domingo, a comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados apelou ao ministério da Justiça para que actuasse de forma célere, para impedir que situações como as descritas se repetissem.

A ministra esteve no Parlamento esta segunda-feira a apresentar o orçamento para do sector da justiça para o ano que vem. Mas apesar de ter sido questionada sobre os efeitos da pandemia em Tires, não se mostrou preocupada, tendo até referido que os casos que surgiram são “essencialmente assintomáticos”. Sobre a alegada violação dos direitos humanos nem uma palavra. Há quem se queixe de só ser disponibilizada uma máscara descartável a cada três dias.

Em resposta a perguntas da deputada social-democrata Mónica Quintela sobre a progressão do surto, Francisca Van Dunem referiu que já existiam médicos e enfermeiros destacados para Tires, para acompanhar as mulheres infectadas – algumas das quais têm consigo os filhos – e criticou aquilo que designou por “burburinho” gerado pelo confinamento obrigatório de quem testou positivo. “O confinamento tem estado a gerar algum burburinho, mas não há nada a fazer”, observou, sem nunca referir nem a falta de medicamentos nem a de produtos de higiene. A governante limitou-se a dizer que algumas das reclusas que não contraíram o coronavírus estão ser transferidas para a cadeia de Santa Cruz do Bispo.

Maior preocupação manifestou a deputada socialista Elza Pais, que promete tentar inteirar-se junto dos serviços prisionais da evolução do problema nos próximos dias. “É um surto que muito nos preocupa”, declarou, assegurando que a ministra está a fazer “tudo” para resolver a situação – que atingiu ainda alguns funcionários do estabelecimento prisional.

Francisca Van Dunem contou que, por ironia do destino, o director-geral dos serviços prisionais tencionava participar numa uma conferência para falar do bom exemplo das cadeias portuguesas, que, ao contrário das suas congéneres europeias, tinham conseguido manter a pandemia do lado de fora das grades. Mas isso mudou na semana passada, quando o que se passou em Tires acabou com o “milagre português”.

A governante afastou ainda a possibilidade de voltar a libertar mais reclusos como forma de descongestionar os estabelecimentos prisionais, prevenindo assim a disseminação da doença. 

Referendo dos advogados pode ser ilegal

Mas se Francisca Van Dunem não se mostrou muito preocupada com os efeitos da pandemia em Tires, o mesmo não se pode dizer da falta de apoios sociais dos advogados, que por dependerem de uma caixa de previdência sobretudo virada para o pagamento de reformas ficam desprotegidos quando são acometidos de alguma doença ou caem numa situação equivalente ao desemprego. Lamentando que a classe não tenha, até agora, chegado a um consenso sobre se se quer manter ligada a um sistema privado ou se pretende desistir dele, ingressando no regime geral da segurança social, a governante garantiu estar a acompanhar o processo, para “assegurar que pelo menos os advogados que são profissionais subordinados tenham garantias de protecção social nos mesmos termos que os restantes profissionais subordinados”. 

O assunto está em cima da mesa na Ordem dos Advogados, que está a ser instada por um grupo de advogados para convocar um referendo destinado a dirimir a questão. Mas há quem entenda, como o constitucionalista Vital Moreira, que a convocação do referendo nem sequer tem base legal, entre outras coisas por uma eventual passagem dos advogados para o regime geral da segurança social ser da competência exclusiva do Estado. 

“Se o conselho de jurisdição da Ordem não vetar a convocação do referendo, como se impõe, incumbe ao Ministério Público promover a pertinente acção judicial de anulação, antecedida da suspensão da sua execução”, defendeu Vital Moreira num artigo publicado há poucos dias no blogue Causa Nossa. Porém, o mesmo jurista defende também que o regime especial de que beneficia a classe nem sequer tem base constitucional, ao permitir quer a advogados quer também a solicitadores “o privilégio de gerirem o seu próprio sistema privativo de segurança social”. 

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