Parlamento aprova hoje o quarto estado de emergência da era covid
A partir de segunda-feira e até 23 de Novembro, Portugal entra outra vez em excepção constitucional, mas desta vez de âmbito mais limitado e com “efeitos preventivos”. Alguns direitos fundamentais vão ser restringidos, numa situação que pode ser depois prolongada até à Primavera.
São precisos três para decretar o estado de emergência, e dois já fizeram a sua parte. O Presidente da República apresentou os termos do decreto na quinta-feira, o Governo foi ouvido e concordou, e esta sexta-feira à tarde a Assembleia da República reúne-se em plenário para dar a sua autorização. É assim que determina a Constituição, porque restringir direitos, liberdades e garantias não se faz de ânimo leve. O quarto estado de emergência da era covid vai entrar em vigor na segunda-feira, dia 9, e prolonga-se pelo prazo máximo previsto – 15 dias. Mas pode ser renovado até à Primavera, como avisou já o primeiro-ministro.
Desta vez, o estado de emergência terá um âmbito mais limitado para alcançar “efeitos largamente preventivos”, tal como o primeiro-ministro pediu na segunda-feira ao Presidente da República. Na proposta enviada ao Parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa escreve que “a evolução da pandemia [de] covid-19, assim como as lições dela retiradas, justificam as garantias reforçadas da segurança jurídica de medidas adoptadas ou a adoptar pelas autoridades competentes para a correspondente prevenção e resposta”.
São quatro as áreas de direitos condicionados ou restringidos por esta proposta presidencial e dizem respeito apenas a “domínios como os da convocação de recursos humanos para rastreio, do controlo do estado de saúde das pessoas, da liberdade de deslocação e da utilização de meios dos sectores privado e social ou cooperativo”.
O decreto presidencial é apenas um “chapéu” jurídico sob o qual o Governo terá depois de determinar medidas concretas que não podem exceder os limites ali estabelecidos – e já está marcado um Conselho de Ministros extraordinário para definir o que vai poder (e não poder) ser feito nos próximos 15 dias. Ainda assim, é larga a amplitude daquilo que pode vir a ser decidido. Mas, como já disse o primeiro-ministro, as medidas serão adaptadas a cada momento da pandemia, podendo vir a ser mais ampliadas ou restringidas a cada 15 dias, de acordo com a situação concreta.
No sítio da Presidência, o chefe de Estado resume os objectivos: “A possibilidade de o Governo impor restrições à circulação em certos locais em períodos determinados, em particular nos municípios de maior risco; a utilização, se necessário e preferencialmente por acordo, de meios de saúde dos sectores privado, social e cooperativo, com a devida compensação; a mobilização de trabalhadores, bem como das Forças Armadas e de Segurança, para o reforço das autoridades de saúde nos inquéritos epidemiológicos e de rastreio; e a possibilidade de medição de temperatura corporal, por meios não invasivos, e de imposição de testes no acesso a certos serviços e equipamentos.”
Nos anteriores estados de emergência, que vigoraram entre 18 de Março e 1 de Maio, nem todas as autorizações foram utilizadas, como a requisição de bens ou serviços privados no sector da saúde. Desta vez, o decreto presidencial é mais cauteloso e prevê que esse recurso deve acontecer “preferencialmente por acordo” e “mediante justa compensação, em função do necessário para assegurar o tratamento de doentes com covid-19 ou a manutenção da actividade assistencial relativamente a outras patologias”. O que antecipa que, desta vez, venha a ser mobilizado o sector privado e social, mas por uma via mais próxima da contratualização. Essa foi uma das preocupações manifestadas pelos responsáveis da saúde que Marcelo ouviu nos últimos 15 dias.
Ao contrário da primeira fase, agora não existe o dever de permanência no domicílio – o chamado confinamento geral. Prevê-se apenas a proibição de circulação na via pública durante determinados períodos do dia ou determinados dias da semana” – ou seja, fica aberta a porta ao recolher obrigatório e também aos confinamentos regionais ou localizados. E são muitas as possibilidades de deslocação justificadas: trabalhar, obter cuidados de saúde, dar assistência a terceiros, estudar, ir às compras. Estão também previstas “outras razões ponderosas”, cabendo ao Governo “especificar as situações e finalidades em que a liberdade de circulação individual, preferencialmente desacompanhada, se mantém”.
Mais de dois terços no Parlamento
Longe da unanimidade do primeiro, este quarto decreto deverá, mesmo assim, ser aprovado por mais de dois terços do Parlamento, uma vez que logo na segunda-feira ― ainda antes de conhecidos os termos da declaração ― PS, PSD, CDS e PAN adiantaram que iriam apoiar o decreto presidencial. Rui Rio, líder dos sociais-democratas, justificou que esta era “mais uma questão de direito do que de política”, uma vez que se trata de “dar ao Governo o quadro legal e constitucional necessário para tomar as medidas que se venham a impor”.
Da mesma forma, o PAN concordou com o modelo apresentado pelo Presidente da República, uma vez que, nas palavras do líder André Silva, garantia “as medidas necessárias para enfrentar este período”, sem fazer grandes restrições aos direitos das pessoas.
Já o BE mantém reservas, em particular quanto à forma de utilização dos serviços de saúde do sector social e privado. Catarina Martins defendia a requisição civil, ou seja, por decisão unilateral do Estado e por preço por este definido. De resto, a líder bloquista entende que existem instrumentos legais que permitia tomar todas as medidas sem recurso ao estado de emergência.
É também essa a posição do PCP e do PEV, que logo no início da semana anunciaram o voto contra. O líder parlamentar comunista reforçou a ideia nesta quinta-feira: “Aquilo de que o país precisa é de medidas que estimulem a protecção individual, promovam a pedagogia da protecção e assegurem as condições sanitárias necessárias para que prossiga a vida nacional nas suas várias dimensões”, declarou João Oliveira.
A Iniciativa Liberal também vota contra, por considerar as medidas “excessivas e injustificadas, do ponto de vista da sua eficácia”. "Recusamos um decreto que utiliza várias vezes expressões como ‘preferencialmente’ ou ‘designadamente’. Porque recusamos esta ligeireza e prezamos as liberdades, votaremos contra”, declara.
O Chega disse apenas que seria contra um confinamento total, mas não revelou o sentido de voto, tal como as deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.