Quem é Paula White, a inspiração espiritual de Trump que “fala línguas do outro mundo”?
De uma infância sem recursos ao estatuto de uma das mulheres mais influentes junto de Donald Trump, a tele-evangelista invadiu as redes com as suas orações pela vitória republicana.
Pastora, autora, tele-evangelista e crente na teologia da prosperidade, que defende que a riqueza material é um sinal da graça de Deus. Este é o resumo de quem é Paula White, cujo discurso desta semana se tornou viral, ao invocar os anjos de outros continentes e ao “falar línguas do outro mundo” – tudo para assegurar a vitória de Donald Trump, e a continuidade da presença do divino na Casa Branca (o que parece estar cada vez mais distante). É que Paula White garante que, em qualquer sítio que esteja, Deus também está: seja no edifício de Washington D.C. ou numa vulgar lavandaria.
No vídeo, que correu mundo e que é um excerto do serviço religioso com transmissão no Facebook, vê-se Paula White a gesticular freneticamente e a gritar “ouço vitória, vitória, vitória, vitória nos aposentos do céu”. “Ouço um som de vitória, o Senhor diz que está feito, pois os anjos até já foram enviados de África (...) Em nome de Jesus da América do Sul, estão a vir para cá”. Depois, a dada altura, começa a gritar palavras que não fazem parte de nenhuma língua conhecida, como se se encontrasse numa espécie de transe.
A forma da mensagem deixou muita gente boquiaberta, mas o conteúdo não passou ao lado de críticos de Trump, muitos recorrendo ao humor. “Deus está a enviar anjos de um lugar que Trump chamou de uma m*rda para o ajudar a ser reeleito?”, perguntou o bispo Talbert Swan, no Twitter – “Não se pode inventar este tipo de tolice.” Já sobre o “ouço um som de vitória...”, o religioso aconselha “um aparelho auditivo”.
“[Paula White] terá sorte se Stephen Miller não enviar esses anjos para os Centros de Detenção do ICE”, escreveu Ana Navarro-Cárdenas, que faz comentários políticos para a CNN, Telemundo e The View. “Não me canso desta senhora Paula White a chamar anjos de África e da América do Sul para virem ajudar o Trump a ganhar as eleições.”
.@Paula_White:
— Bishop Talbert Swan (@TalbertSwan) November 5, 2020
“Angels have been dispatched from Africa...”
God is sending angels from a place Trump called a sh*thole to help him get re-elected?
“In the quarters of heaven, I hear the sound of victory...”
Consider a hearing aid
“Homonda akka akka rata tada sonta...” ?? pic.twitter.com/QaB0rWBkDs
Porém nada parece abalar a auto-estima da mulher nascida, em 1966, em Tupelo, no estado do Mississípi, (cidade conhecida por ter sido o berço de Elvis Presley) e cuja infância teve mais espinhos que rosas e acabou por se desenrolar longe do imaginário da loja de brinquedos que a família geria. É que, depois de a mãe de Paula ter saído de casa, levando-a consigo para Memphis, a loja ruiu, o pai suicidou-se e a pobreza passou a ser a realidade da menina, então com cinco anos, regularmente deixada ao cuidado de estranhos.
Paula White recordou, por várias vezes e em público, ter sofrido abusos sexuais entre os seis e os 13 anos – talvez por isso a sua defesa de Trump, quando este foi acusado de ter cometido abusos sexuais (escândalos varridos para debaixo do tapete com o pagamento de avultadas somas a quem o acusava), tenha sido tão preciosa.
Casou-se três vezes: com o primeiro marido terá redescoberto o cristianismo e com o segundo fundou a Without Walls International Church, com a qual amealhou riqueza. O que não é um problema, segundo a própria: quanto mais se tem mais perto se está de Deus. “Há um Departamento do Tesouro no céu” – palavras suas, enquanto exorta os seus seguidores a fazerem donativos generosos se querem ser bem-sucedidos e não sofrerem castigos divinos.
A dada altura, Paula White diz que Deus lhe disse para chegar à fala com Trump. Mas foi o empresário que lhe telefonou. E não demoraria muito tempo para que os dois se tornassem inseparáveis, ajudando-se mutuamente no caminho da ascensão. Financeira ou espiritual? Caso para dizer “você decide”.
I know I already posted this. You gotta watch it.
— Ana Navarro-Cárdenas (@ananavarro) November 5, 2020
I just can’t get enough of this Paula White lady calling on angels from Africa and South America to come help Trump win the election.
She’ll be lucky if Stephen Miller doesn’t send those angels to ICE Detention Centers... https://t.co/8IpoI9qHb7
Após ter estreitado laços com Donald Trump, Paula White cresceu como anfitriã de programas televisivos, passou a viajar no seu jacto privado e comprou uma propriedade no valor de 3,5 milhões de dólares (2,95 milhões de euros) na Torre Trump. Ao mesmo tempo, amealhou “clientes” famosos: foi guia espiritual de Michael Jackson e orientadora de Tyra Banks. Mas as suas conquistas acabaram por despertar atenções e, em 2007, uma investigação do Senado a seis tele-evangelistas incluiu na sua mira a pastora. Nesse mesmo ano divorciou-se.
A investigação do Senado, que se prolongaria até 2011, passou-lhe ao lado, mas Paula White afastou-se da Without Walls International Church, que viria a falir em 2014 – ano em que voltou a casar, desta feita com Jonathan Cain –, e passa a presidir o centro cristão New Destiny – cargo que ocupou até 2019, quando nomeou o filho e a nora para a suceder, rebaptizando a igreja como City of Destiny.
Enquanto isso, Donald Trump foi crescendo na sua influência junto do público norte-americano, sobretudo depois da sua presença no reality show O Aprendiz, em que o magnata avaliava concorrentes com impressionantes currículos que competiam por uma vaga de executivo numa das suas empresas. E, em Maio de 2016, é anunciado oficialmente como o candidato do Partido Republicano para suceder a Barack Obama como Presidente dos Estados Unidos – sempre com Paula White ao seu lado. E foi com ela que assumiu o cargo: convidou-a para falar no dia da tomada de posse.
Desde o arranque da Administração Trump, Paula White é conselheira especial para os assuntos espirituais e, em Novembro de 2019, foi indicada pelo Presidente para dar a cara pela Iniciativa Fé e Oportunidade. Talvez estimando que, com a pastora ao seu lado, conquistaria uma boa fatia de eleitorado entre os evangelistas. Ou a graça divina.