Democracia em Portugal, como evitar o seu declínio
O mais recente livro de Paulo Trigo Pereira é de leitura obrigatória. Mas não apenas para ler. Também para fazer.
Para quem tenha perdido a esperança na salvação deste jardim à beira mar plantado, o recente livro de Paulo Trigo Pereira (Almedina, Outubro 2020) é uma surpresa tão inesperada como valiosa. Sem nunca recorrer à argumentação ideológica ou de partido, o autor disseca, com uma minúcia e rigor quase científicos, as instituições democráticas nacionais e o seu funcionamento, a partir da experiência de deputado independente entre 2015 e 2019.
Que não estamos bem, é um ponto de partida que é partilhado de norte a sul e de este a oeste da geografia política partidária. Mas as respostas a este estado de coisas são, por via de regra, vazias de conteúdo, como bem nos temos vindo a aperceber ao longo dos anos. A suposta visão pessoal de quem intervém resulta essencialmente da carteira própria de preconceitos, por sua vez fruto da respectiva matriz de esquerda ou de direita. A análise e as soluções que normalmente nos são recomendadas não acrescentam nem produzem nada. Ora o contributo de Trigo Pereira é, desse ponto de vista, bem diferente e totalmente inovador e, se calhar, num registo de teor semelhante ao de Adolfo Mesquita Nunes no seu também recente livro. Nestes casos, não é a religião das crenças político-partidárias que os move, mas o exercício da inteligência sobre a observação dos factos. Bem melhor do que suportar a cassete, é sermos confrontados com a análise fria e racional dos problemas que condicionam as nossas vidas. Que são, como sabemos, muitos. Problemas que, não sendo resolvidos, têm impacto determinante no nosso futuro e no dos nossos descendentes. Vale por isso a pena parar, ler e pensar em soluções que porventura até existem, recusando a continuação do nosso percurso que tem sido cego e suicida. Porque, como diz o autor, A democracia ou se renova e reinventa ou entra num pântano, estiola e, eventualmente, soçobra.
É extraordinariamente rica de informações e ensinamentos, a viagem que Trigo Pereira nos convida a fazer através das Instituições da Democracia, da sua natureza e ambição, dos seus mecanismos de poder e do seu funcionamento real. No seu livro temos direito a uma descrição meticulosa e desapaixonada da Constituição, da Assembleia da República e do Governo, descrição essa totalmente integrada no carrossel do tempo em que vivemos. O filme a que assistimos vem da experiência directa do autor, que teve tanto de curta como de intensa. Para melhor se entender do que se fala, a explicação do estado ao que isto chegou é feita com o recurso a exemplos concretos, que tiveram ampla repercussão pública na altura. É uma espécie de formação através de casos práticos que exemplificam, sem desculpas nem perdão, o muito que há a fazer para reparar o nosso mundo. Antes que seja tarde demais.
Nenhum sacrilégio é evitado no livro. A começar pela Constituição, a necessitar de remodelação urgente por desadequação evidente com as reais questões de hoje. O autor socorre-se mesmo de Thomas Jefferson, pai do constitucionalismo democrático, na sua ideia de que as Constituições e as Leis deveriam expirar ao fim de 19 anos, de modo a que uma geração não impusesse a sua vontade à geração seguinte. Jefferson não era, como ele próprio dizia, defensor de mudanças frequentes das leis e das Constituições, mas que estas deviam andar de mãos dadas com o progresso da mente humana. Para quem atribui, nos EUA ou aqui em Portugal, um papel de oráculo infalível aos juízes guardiões dos livros sagrados, a inspiração na verdadeira fonte da constitucionalidade, é por demais imperfeita. Sem qualquer dramatismo, o autor concorda que a Constituição precisa, sim senhor, de revisão. Nem que seja para prever a necessidade de proteger a vida humana em situações de pandemia.
A fragmentação parlamentar a que se assiste no mundo democrático – e em Portugal em particular – e as janelas que involuntariamente abrimos para a entrada triunfal do populismo das promessas fáceis e sonoras, são o pano de fundo da deterioração do funcionamento da nossa democracia. Degradação a que assistimos impotentes. E Trigo Pereira não se limita a mostrar os problemas. Adianta soluções que nada têm de propostas mágicas. São soluções pragmáticas, fáceis de perceber e de fazer, que dependem unicamente da nossa vontade. Que tem sido gritantemente ausente nos últimos anos.
Como desapaixonadamente Paulo Trigo Pereira diz no final, a única certeza é esta: a democracia portuguesa irá para onde a levarmos.
Leitura obrigatória. Mas não apenas para ler. Também para fazer.