A maior chicotada psicológica de sempre aconteceu na Bósnia
O presidente do Sloboda Tuzla despediu o treinador e todos os jogadores depois de apenas dois empates numa época que ainda está a decorrer.
“A minha resolução de Ano Novo é passar 2016 sem despedir ninguém”, disse, em tempos Maurizio Zamparini, excêntrico presidente do Palermo que era conhecido como o “devora treinadores”. Ora, logo a 11 de Janeiro de 2016, despediu o treinador e terminaria esse ano com um total de nove treinadores diferentes. Ninguém batia a loucura de Zamparini, que mudou 40 vezes de treinador nos 15 anos que passou na presidência do clube, mas há um forte candidato a autor da chicotada psicológica mais radical da história do futebol. Ainda com a época a decorrer, depois de apenas dois empates nas primeiras 17 jornadas da Liga da Bósnia, o presidente do Sloboda Tuzla despediu o treinador e todos os jogadores.
Segundo o site Transfermarkt, o Sloboda Tuzla tem um plantel extenso, composto por 34 jogadores, e nenhum escapou ao corte. Nem o treinador Zlatan Nalic, nem nenhum dos seus adjuntos. Todos fora, depois de terem chegado à pausa de Inverno com apenas dois pontos (dois empates) e 15 derrotas, com apenas cinco golos marcados (pior ataque) e 36 sofridos (que nem é a pior defesa neste campeonato com 12 equipas). A equipa de Tuzla está em último, a 19 pontos dos lugares de manutenção e, em teoria, ainda não está despromovida – faltam 16 jornadas e há 48 pontos a conquistar.
Azmir Husic, presidente do clube desde Setembro do ano passado (mas não pela primeira vez), diz que não tomou a decisão de ânimo leve. “Dei um passo que poucos dariam. Acho que podemos fazer uma equipa melhor do que esta, que só conquistou dois pontos. Tenho a certeza”, adiantou o dirigente, cuja primeira decisão após regressar ao clube, há quatro meses, tinha sido despedir o treinador, Marko Maksimovic. Nessa altura, o Sloboda Tuzla tinha dois pontos em nove jornadas, os mesmos que vai ter quando a Liga bósnia recomeçar, a meio de Fevereiro.
Husic tem pouco mais de um mês para contratar um treinador – há notícias a darem conta de que vários alvos para o banco já rejeitaram o convite - e arranjar uma equipa nova. Talvez não totalmente nova, porque o presidente do clube admite que alguns jogadores poderão continuar – mas terão de rescindir de forma voluntária antes de assinarem novos contratos, mais baixos e de acordo com a realidade do clube. O sindicato de jogadores da Bósnia já pediu, entretanto, aos seus associados para não embarcarem nesta rescisão voluntária, ou perderão todos os seus direitos salariais. Ainda assim, segundo a imprensa do país, já terão rescindido 12 jogadores e pelo menos um já tem novo emprego, um avançado de 30 anos que assinou por uma equipa da quarta divisão de Itália.
Não há propriamente grandes nomes entre os recém-desempregados do Sloboda Tuzla. É um sortido de jogadores dos Balcãs (alguns internacionais jovens no grupo), com um toque cosmopolita dado por um brasileiro, um japonês e um avançado ganês de 31 anos que já passou pelo futebol português – Ahmed Said representou Olhanense e Rio Ave. E o treinador, Nalic, também não tem um currículo por aí além – dos cinco empregos que teve como técnico principal, três foram no Sloboda Tuzla, outro no Tuzla City, onde também teve como patrão… Azmir Husic, o presidente que agora o despediu pela quarta vez.
É que Husic já tinha sido antes presidente do Sloboda Tuzla, mas foi destituído numa assembleia geral e virou-se para o outro clube local, o Tuzla City, que, durante alguns anos, foi o maior da cidade – chegou a ser vice-campeão em 2022. Husic chegou mesmo a propor uma fusão entre os dois emblemas, mas ninguém quis. O dirigente não desistiu e, em Setembro passado, foi reinstaurado como líder do Sloboda.
Husic é, de facto, uma personagem singular. Viveu durante mais de uma década nos EUA, onde trabalhou em fábricas e foi camionista, regressando à Bósnia com algum dinheiro no bolso – era dono de uma empresa de transportes. Uma das coisas que fez foi investir no Sloboda Tuzla e um dos seus maiores sucessos foi conseguir contratar, em 2014, Miroslav Blazevic, o treinador que levou a Croácia a um brilhante terceiro lugar no Mundial 1998. Blazevic, na altura com 79 anos, pegou na equipa a meio da época, na segunda divisão, e construiu um registo de 13 vitórias e um empate em 15 jogos, conseguindo a promoção nesse ano.
Daria jeito ao centenário Sloboda Tuzla (fundado em 1919 e que chegou a ser conhecido como FK Gorki, em honra do poeta russo) ter agora um Blazevic para uma série de 15 vitórias seguidas e evitar nova descida aos infernos. Azmir Husic, que também é deputado, não tem grandes ilusões. “Estamos numa posição nada invejável e vamos ver o que podemos fazer na segunda metade da época”, disse no dia em que despediu toda a gente. “Estamos mais perto da despromoção do que de ficar na primeira divisão, mas já tivemos tantos anos perdidos que não é vergonha nenhuma perder mais um, se tivermos uma estratégia e um plano.”