Eutanásia: negar o direito ao referendo é incompreensível
Não percebo o medo que há agora para não podermos igualmente decidir como já fizemos no passado. Prefiro que votem para que nos devolvam a palavra.
Esta sexta-feira vota-se na Assembleia da República um assunto demasiado sério. A proposta de referendo sobre a eutanásia que vai a votos chegou ao Parlamento pela mão da Federação Pela Vida que reuniu cerca de 95 mil assinaturas.
Constitucionalmente é da exclusiva competência da Assembleia da República votar e decidir uma proposta popular. Dificilmente o referendo vai ter lugar. Erradamente, diga-se. Este tema talvez já estivesse fechado e democraticamente legislado se a via escolhida inicialmente fosse a consulta popular. Leia-se, referendo.
Há defensores do sim, do não e do “nim”. Há de tudo e para todos os gostos, mas há, isso sim, uma responsabilidade política que está e não deve estar nas mãos de 230 deputados. As questões de consciência não são objectos de decisões parlamentares. Não o podem ser. A liberdade da nossa consciência, negando o direito de decidir sobre ela, está posta de parte.
O tema da eutanásia não é uma questão menor. É difícil, fracturante. É um assunto que deve ser despojado e debatido sem fundamentalismos. Por ser uma questão de consciência e da nossa própria vontade, ela é exclusiva da nossa esfera pessoal, diz respeito a cada um de nós. Negar o direito ao referendo é, creio, incompreensível.
Mas o tema vai para além da necessidade do referendo por um imperativo de consciência. Caso não haja o direito à manifestação da nossa opinião, é chocante ver que 230 deputados possam legislar sobre um tema que não foi inscrito nos programas eleitorais pela maioria. Qual é então a legitimidade política que os deputados terão para legislar sobre algo que muda radicalmente a nossa forma de ver a morte ou a vida?
Não entrando na questão jurídica demasiado maçadora na vertente de direitos fundamentais e princípios constitucionais, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, interessa interrogar a questão política e ética. E é esta ética que não encontro. Legislar a vontade e a consciência de milhares com a agravante política de que nada se disse em campanha sobre o tema eutanásia. É legítimo que os deputados legislem sobre isso? É, mas falta nesta questão um outro grande princípio: a autenticidade política.
Não vejo argumentos juridicamente relevantes para que não se devolva a palavra ao povo como se fez na despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IGV) que precisou de dois referendos e cerca de dez anos para a sua despenalização. Houve muito debate e talvez esse fosse o assunto mais fracturante com que Portugal já se debateu. Mas nós, portugueses, capazes de tomar decisões, falamos e decidimos. Uns ficaram felizes, outros nem por isso, mas as regras do jogo são estas em democracia.
Não percebo o medo que há agora para não podermos igualmente decidir como já fizemos no passado. Prefiro que votem para que nos devolvam a palavra.