Cultura chumba “palácio” de Berardo por concorrer contra o verdadeiro palácio mesmo em frente
Obras ilegais na antiga estação de camionagem para ali criar um “falso histórico” afectam zona especial de protecção do Palácio e Quinta da Bacalhôa, que é monumento nacional, diz DGPC.
A transformação da antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, Setúbal, numa espécie de palácio, que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, empresa do empresário Joe Berardo, está a fazer, tem parecer negativo também da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), confirmou esta entidade ao PÚBLICO.
“A referida intervenção está situada na Zona Especial de Protecção (Portaria n.º 255/96, DR, II Série, n.º 263, de 13-11-1996) do Palácio e Quinta da Bacalhoa, classificados como Monumento Nacional (Decreto de 16-06-1910, DR, n.º 136, de 23-06-1910/Decreto n.º 2/96, DR, I Série-B, n.º 56, de 6-03-1996/ Declaração de Rectificação n.º 10-E/96, DR, I Série-B, n.º 127, de 31-05-1996), pelo que o seu licenciamento municipal carece do parecer prévio e vinculativo da DGPC”, esclarece a DGPC.
O parecer negativo da direcção geral, dado já por três vezes, fundamenta-se na “concorrência” que o novo edifício, por ser apalaçado, faz ao Palácio e Quinta da Bacalhôa, monumento nacional que fica em frente às obras, do outro lado da Estrada Nacional (EN)10.
“Os pareceres desfavoráveis foram fundamentados pela proposta de alteração da imagem industrial do imóvel existente (correspondente às antigas instalações da Transportadora Setubalense, mais tarde Rodoviária Nacional), tendo por base uma estratégia de implementação de um ‘falso histórico’, inadequada do ponto de vista patrimonial”, refere a DGPC em informação enviada ao PÚBLICO.
“O projecto apresentado, assente na introdução de uma nova ‘roupagem arquitectónica’, procurava reproduzir cânones estilísticos, ‘de linhas e proporções clássicas’, similares a uma ‘residência nobre’ em Azeitão”, acrescenta a mesma nota.
A DGPC concluiu que a “estratégia” de Joe Berardo, se fosse viabilizada “seria equívoca quanto (i) à autenticidade da intervenção, (ii) cronologia histórica e (iii) relevância arquitectónica do edifício, com evidentes implicações na percepção, em certa medida ‘concorrencial’, junto do imóvel classificado localizado na proximidade”.
As obras no edifício da antiga estação, que na fachada principal estão em fase de acabamentos, decorrem ilegalmente, sem licença municipal de construção, há quase um ano e meio.
A Direcção Geral do Património revela que a Câmara Municipal de Setúbal já tentou, por três vezes, obter o parecer desta entidade, que, além de vinculativo deve ser prévio ao licenciamento municipal.
“Conforme requerido pela CM de Setúbal, através da plataforma digital SIRJUE, foram emitidos três pareceres desfavoráveis em 20.12.19, 6.02.20 e 22.5.20”, refere a DGPC.
O PÚBLICO questionou a câmara de Setúbal sobre terem sido pedidos três pareceres e quais as diferenças entre cada um deles mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
A Direcção Geral do Património Cultural faz questão de informar que “compete à CM de Setúbal, enquanto entidade gestora do território, o embargo da referida obra e a tomada de medidas consentâneas”.
O PÚBLICO perguntou também, à Câmara de Setúbal, porque não foi decretado o embargo da obra, mas não obteve resposta. A autarquia, que tem dito que o caso “está em processo de legalização”, não respondeu também se pode haver legalização apesar dos pareceres negativos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e DGPC.
Contactado pelo PÚBLICO, o comendador Joe Berardo fez saber, por fonte próxima, que não comenta o assunto.
O Palácio e Quinta da Bacalhôa, também propriedade de Joe Berardo, monumento nacional que a DGPC procura proteger com o parecer negativo neste processo, é uma das primeiras manifestações da arquitectura renascentista em Portugal. A mais antiga é a igreja da Foz do Douro cujas ruínas estão dentro do forte de São João Batista.
Além de afectar a zona de protecção do monumento nacional, a intervenção no novo edifício de Joe Berardo situa-se em área da Reserva Natural do Parque da Arrábida, pelo que as obras têm também parecer negativo do ICNF.
Como o PÚBLICO avançou na semana passada, a intervenção “integra a área classificada como Protecção Complementar tipo II” pelo que está “sujeita ao cumprimento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA)”.
O ICNF, cujo parecer é igualmente vinculativo, não autoriza a obra e já efectuou uma acção de fiscalização, tendo sido levantado um auto de contra-ordenação.
Ao que o PÚBLICO apurou, no novo edifício, o comendador pretende instalar um centro interpretativo do vinho, ligado à Bacalhôa Vinhos, e um novo grande espaço de cultura, denominado Berardo Bacalhôa Collection (BBC).