Vodafone: regulamento do leilão do 5G “foi mal pensado e tem de ser revisto”.
Vodafone diz no Parlamento que “decisões precipitadas” no 5G podem ter consequências “irreversíveis” para o país. Regulamento da Anacom “desincentiva o investimento” e distorce concorrência.
O presidente da Vodafone, Mário Vaz, esteve esta tarde na Assembleia da República para pedir aos deputados “rigor” e uma “análise cuidada” à situação actual do sector das comunicações, para que, “em conjunto”, se possa introduzir no país um 5G que não seja “discriminatório” para novas empresas, nem para as que já cá estão.
Apesar de Portugal já “estar com atraso temporal” no processo do 5G, o presidente da Vodafone entende que isso não é motivo para que se tomem “decisões precipitadas”, com “potenciais impactos negativos irreversíveis e irrecuperáveis” para o país, disse o gestor, referindo-se ao regulamento de leilão que a Anacom quer divulgar dentro de dias.
Mário Vaz assegurou que o projecto de regulamento da Anacom tem condições que favorecem os novos entrantes “que não existem em mais nenhum concurso de 5G na Europa” e que “retiram o incentivo ao investimento” porque partem de uma leitura “ficcionada” de que o mercado português não é competitivo.
“Alocação [de espectro reservado], descontos, roaming, sem compromisso e obrigações [de cobertura e desenvolvimento da rede]? Isso não existe”, sublinhou Mário Vaz aos deputados da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação (CEIOPH).
O gestor salientou que a Vodafone “quer estar à séria no 5G” e que os “níveis de compromisso” previstos no projecto de regulamento estão “muito acima” do que são as metas da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) de Fevereiro que fixou a estratégia para a nova tecnologia.
As obrigações definidas pela Anacom trazem “uma exigência do ponto de vista do investimento muito, muito expressiva”, e são elas próprias “uma contradição” no que diz respeito à promoção da concorrência, pois permitirão a uma entidade actuar no mercado sobre as redes de terceiros, “sem custos fixos”, nem obrigações de investimento, e sujeitando as outras, que têm compromissos, a “adaptar o modelo de negócio”, queixou-se.
“Vamos investir para dar um tapete vermelho a outros? Os tais que vão provocar no curto-prazo um benefício ao consumidor, mas vão distorcer as regras da concorrência e afectar o investimento futuro? Isto foi mal pensado, acontece, foi mal pensado, tem de ser revisto”, salientou o gestor.
Roaming? Só “localizado”
Sobre a questão do roaming nacional, previsto no regulamento, Mário Vaz concordou que a Vodafone também quer que os serviços cheguem ao maior número possível de pessoas, mas considerou que o roaming até pode nem ser a melhor solução.
“Há um problema de cobertura em Portugal, mas não por culpa dos operadores, cumprimos tudo [o que estava previsto]”. Se Portugal quer “garantir esta coesão nacional, então vamos trabalhar o tema” e definir as zonas sem cobertura e “dividir as obrigações”.
“O roaming é um cenário possível – mas nunca o nacional, o roaming localizado –, mas não necessariamente o melhor”, a solução pode passar por partilha de infraestruturas.
“Estamos abertos a esse cenário, estamos abertos ao desígnio nacional. Mas tem de ser eficiente, racional e ter razoabilidade financeira. E tem de envolver também o Estado, é uma obrigação pública”, salientou.
Embora em termos administrativos o papel da Assembleia da República seja indiferente para a condução do processo de leilão, que é uma competência da entidade reguladora das Comunicações (como coadjuvante do Governo), os presidentes das operadoras móveis pediram audiências aos deputados da CEIOPH para trazer o tema para debate público.
Depois de o presidente da Nos, Miguel Almeida, ter estado esta manhã a defender na comissão que é preferível atrasar o processo umas semanas para que haja no país “uma discussão séria” sobre o 5G, também o presidente da Vodafone quis garantir que o Parlamento “dispõe de informação adequada” sobre o futuro processo de atribuição de licenças móveis.
Amanhã, dia 21, será a ocasião de os deputados do PS receberem a Altice Portugal (dona da Meo).
Capacidade de “bem competir”
“Estejam atentos às consequências negativas e desincentivadoras do investimento e inovação presentes na proposta de decisão em discussão [o projecto de regulamento da Anacom], para que em conjunto possamos garantir” a implementação do 5G num processo “promotor do interesse maior do povo português e do futuro do país”, apelou Mário Vaz.
O gestor sublinhou que a Vodafone não está preocupada com a entrada de outra empresa no mercado, mas sim com a “discriminação e os favores sem paralelo em outros leilões na Europa” que configuram “ilegais ajudas de Estado”.
“São públicos” os números e rankings onde “Portugal aparece numa posição claramente favorável”, e que mostram que o sector “é um exemplo da capacidade portuguesa de bem competir”, assegurou aos deputados. Deu como exemplo do dinamismo do mercado os mais de 600 mil utilizadores que anualmente mudam de operador móvel, recorrendo à portabilidade do número de telefone.
Considerando a própria Vodafone como um agente de concorrência, lembrou que foi a empresa que trouxe “a concorrência para o mercado de televisão fixa”, em que estavam a Nos e a Meo.
“Nessa altura não houve nenhum regulador que nos ajudasse”, referiu, aludindo à decisão da Anacom de não obrigar a Meo a dar acesso a terceiros à sua rede de fibra óptica.
“Litigância” e “indefinição”
Mário Vaz salientou que não houve por parte do regulador “uma correcta ponderação dos custos e benefícios das medidas” previstas no regulamento, porque o projecto não foi precedido de um estudo de avaliação de impacto regulatório, “como as leis nacionais e comunitárias o exigem”.
De uma forma geral, mantendo-se as condições que a Anacom propôs, considerou que será inevitável um “aumento da litigância” e indefinição no desenvolvimento e investimento do 5G no país.
São condições que “hipotecam o futuro do país” e que, no caso específico da Vodafone Portugal, trazem dificuldades à gestão local em convencer o grupo Vodafone da “razoabilidade do investimento” em Portugal, um mercado onde “o retorno do investimento é muito baixo”.
Já há dúvidas até na atracção de um centro de competências que “pode trazer para Portugal 400 empregos especializados”, adiantou.