França responde à decapitação de professor com rusgas, deportações e dissolução de associações
Autoridades lançam mais de 80 investigações em todo o país, muitas delas sem ligações ao ataque terrorista de Conflans-Sainte-Honorine. Governo francês diz que é um aviso aos “inimigos da República”.
Três dias depois de o professor de História Samuel Paty ter sido decapitado em plena luz do dia, nos arredores de Paris, por ter mostrado caricaturas de Maomé numa aula sobre a liberdade de expressão, a polícia francesa desdobrou-se em operações de segurança um pouco por toda a França, que tiveram como alvo pessoas e associações ligadas ao movimento extremista islâmico do país.
Entre rusgas, detenções, planos de deportações e anúncios de desmantelamento de organizações entendidas como fundamentalistas islâmicas, a acção das autoridades policiais e dos serviços secretos nesta segunda-feira foi mais longe que a investigação ao crime de sexta-feira em Conflans-Sainte-Honorine – considerado um atentado terrorista e cujo suspeito foi um jovem muçulmano de ascendência tchechena, de 18 anos, morto a tiro pela polícia no próprio dia.
Gérald Darmanin, ministro do Interior, disse à rádio Europe 1 que foram abertas “mais de 80 investigações” contra “dezenas de indivíduos” associados a discurso de ódio e extremista online, que vão continuar durante os próximos dias.
O ministro assumiu ainda que as operações não estão “necessariamente” relacionadas com a investigação principal e revelou que “51 estruturas associativas vão receber várias visitas dos serviços do Estado ao longo da próxima semana” e, sob sua proposta, “serão dissolvidas pelo Conselho de Ministros”.
“[As operações visam] fazer passar uma mensagem: nem um minuto de descanso para os inimigos da República”, atirou o sucessor de Christophe Castaner, dispensado em Julho de um dos ministérios mais importantes e escrutinados do Governo francês.
Na noite do crime, o Presidente Emmanuel Macron tinha afiançado que “o obscurantismo e a violência não ganharão”, nem “dividirão” a França.
Uma fonte da polícia francesa disse à Reuters que as movimentações das autoridades incluem ainda a deportação de 213 pessoas que constam da base de dados dos serviços secretos como fundamentalistas religiosos. Dessas, cerca de 150 cumprem penas de prisão em território francês.
Uma outra fonte, próxima das investigações, disse ao jornal Le Figaro que as rusgas policiais desta segunda-feira também tiveram como alvos “agentes conhecidos” pelas autoridades, devido à sua “radicalização religiosa”, e que residem em cidades como Orléans, Bourges ou Chartres. Pelo menos 11 pessoas foram detidas.
Onda incomum
Toda a operação foi coordenada com o Ministério da Justiça. Segundo o diário parisino, o ministro Éric Dupond-Moretti convocou esta segunda-feira os procuradores-gerais, de forma a garantir a “perfeita colaboração com os prefeitos e as forças de segurança internas na implementação e monitorização das medidas exigidas pela situação”.
“Estas investigações são bastante incomuns. Depois de uma tragédia tão grande, a investigação costuma focar-se naquilo que aconteceu e em quem está por trás do ataque”, analisa o editor de Política do canal televisivo France 24, Marc Perelman.
“É óbvio que [essa investigação] está a acontecer. Mas a onda de detenções anunciada pelo ministro do Interior vai continuar nos próximos dias e foca-se, essencialmente, naqueles que expressaram apoio online ao atacante ou que estavam contra o professor. A rede lançada pelas autoridades é bastante ampla”, acrescenta Perelman.
Entre os detidos relacionados com a investigação principal ao homicídio de Samuel Paty, de 47 anos, está Abdelhakim Sefriuoi, um “velho mochileiro do islamismo em França”, segundo a descrição de um ex-especialista em questões islâmicas do Ministério do Interior, citado pelo Le Monde.
Sefriuoi é monitorizado pelos serviços secretos franceses há vários anos, é membro do Conselho de Imames de França – apesar de os seus responsáveis terem informado o Le Monde que deixou de trabalhar com o conselho “há cinco anos” – e é conhecido pela sua actividade nas redes sociais contra o tratamento do Governo francês aos muçulmanos.
A sua detenção deveu-se essencialmente aos vídeos que publicou online nos dias que antecederam à decapitação do professor, gravados em frente da escola de Bois-d’Aulne.
Num desses vídeos, acompanhado pelo pai de uma aluna de 13 anos que assistiu à aula de Paty, questiona-a sobre a mesma e rotula o comportamento do académico como uma resposta “ao chamamento do Presidente da República para se odiar, lutar e estigmatizar os muçulmanos” em França.
Na outra gravação, Sefriuoi diz que fala em nome do Conselho de Imames de França e afirma que este exige “a suspensão imediata deste criminoso”.
“Lançaram claramente uma fatwa [decreto religioso] contra o professor”, acusou o ministro do Interior.