Johnson congela negociações com a UE e anuncia preparação para um “Brexit” sem acordo
Primeiro-ministro britânico diz que não vale a pena continuar a negociar uma nova parceria se não houver uma “mudança fundamental da abordagem” dos 27. UE olha para a decisão como estratégia negocial.
A menos de três meses do final do período de transição do “Brexit” e com as negociações entre Reino Unido e União Europeia num impasse, Boris Johnson anunciou que os britânicos vão começar a preparar-se para uma saída sem acordo e acusou Bruxelas de não querer “negociar seriamente” os termos do relacionamento comercial e político entre os dois blocos depois do final de Dezembro.
O primeiro-ministro britânico tinha ameaçado abandonar a 15 de Outubro (quinta-feira) as negociações com o representante da Comissão Europeia, Michel Barnier, por divergências profundas, e pareceu confirmar essa intenção, esta sexta-feira – que foi também o último dia do Conselho Europeu.
“Por qualquer motivo, parece claro, com esta cimeira, que após 45 anos de filiação, eles [líderes europeus] não estão dispostos a oferecer a este país [Reino Unido] os mesmos termos que o Canadá tem”, lamentou Johnson, num comunicado ao país, cuja principal mensagem foi depois reforçada numa conferência de imprensa dedicada à covid-19.
“Uma vez que na maior parte do tempo dos últimos meses se recusaram a negociar seriamente, e tendo em conta que esta cimeira parece excluir explicitamente um acordo semelhante ao do Canadá, concluí que nos devemos preparar para o dia 1 de Janeiro com planos mais parecidos com a [parceria com a] Austrália, que se baseia nos princípios básicos do comércio livre global”, justificou o líder conservador.
“Assim, é com o coração pesado, mas com confiança plena, que nos vamos preparar para a alternativa e que vamos prosperar poderosamente como uma nação comercial livre e independente, controlando e definindo as nossas próprias leis. A não ser que haja uma alteração fundamental da abordagem [da UE], vamos avançar para a solução da Austrália”, proclamou Johnson.
O primeiro-ministro do Reino Unido respondeu, assim, negativamente, ao apelo dos 27 Estados-membros da UE para que o Governo britânico respeite os compromissos assumidos na declaração política que acompanhou o acordo de saída, particularmente em matérias de pescas, concorrência (“level playing field”) e resolução de disputas.
UE e Austrália têm vários acordos dedicados às trocas comerciais entre si, mas nunca fecharam uma verdadeira e aprofundada parceria de livre comércio. Nesse sentido, quando Johnson diz que pretende um acordo “parecido” com o que a Austrália tem, está a assumir que o Reino Unido está disposto a avançar para o imprevisível e potencialmente mais prejudical – para ambas as partes – cenário de “no-deal”.
Já o modelo do Canadá (CETA), que o primeiro-ministro britânico sempre gostou, elimina significativamente as taxas alfandegárias para a grande maioria dos bens transaccionados entre o país norte-americano e o mercado único europeu. Exclui, no entanto, alguns produtos agrícolas e o sector dos serviços, fundamental na actual relação comercial entre UE e Reino Unido.
Pressão ou ruptura?
Do lado da União Europeia, porém, a notícia foi recebida sem qualquer espécie de pânico e os líderes europeus, reunidos em Bruxelas, não ficaram sequer com a percepção de que o cenário negocial se tivesse alterado fundamentalmente.
O tom e o conteúdo do anúncio de Boris Johnson foram encarados pelos 27 como parte de uma estratégia negocial de pressão, e não de uma ruptura, que não difere muito das ameaças que o primeiro-ministro já tinha feito no passado.
Prova disso, foi a mensagem partilhada no Twitter pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pouco depois do comunicado de Johnson.
“A UE continua a trabalhar para um acordo, mas não a qualquer preço. Como planeado, a nossa equipa negocial vai a Londres na próxima semana para intensificar estas negociações”, escreveu a líder do executivo comunitário naquela rede social.
Downing Street não gostou do que leu e do que ouviu em Bruxelas e garantiu que as negociações chegaram mesmo ao fim e por culpa da UE. Mas deixou a porta aberta a um entendimento, nos termos apresentados por Johnson.
“As negociações comerciais acabaram. A UE terminou-as efectivamente, quando disse que não quer alterar a sua posição negocial”, afirmou um porta-voz do Governo britânico, citado pela Reuters.
“Só faz sentido que Michel Barnier venha a Londres na próxima semana se estiver preparado para discutir de uma forma acelerada todas as questões baseadas nos textos jurídicos, sem que o Reino Unido seja obrigado a fazer todos os movimentos”, acrescentou.
Segundo a Sky News, David Frost, representante do executivo britânico nas negociações, disse a Barnier que voltariam a falar no início da próxima semana, mas corroborou a ideia de que não há qualquer base de entendimento para se retomarem as discussões políticas em Londres.
Na mesma onda que Von der Leyen, mas mais duro do que a presidente da Comissão, o Presidente francês, Emmanuel Macron, fez questão de reforçar que existe uma frente europeia unida em volta da sua posição.
“Fazer o primeiro-ministro britânico feliz não é a vocação dos líderes soberanos dos 27 Estados-membros que escolheram permanecer na UE. Independentemente daquilo que foi prometido aos britânicos durante o referendo, eles precisam do mercado único europeu. E eles dependem muito mais de nós do que nós deles”, atirou Macron, no final do Conselho Europeu.
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que já tinha confirmado que a UE está disponível para se “aproximar” da posição do Reino Unido no âmbito das negociações, não perdeu muito tempo a comentar a declaração de Boris Johnson. “Enquanto não houver um acordo assinado, há sempre a opção de considerar como as coisas serão se não houver acordo”, disse.
O Reino Unido abandonou oficialmente a UE a 31 de Janeiro deste ano. Nos termos do acordo do “Brexit” – alcançado entre Bruxelas e Londres em Outubro do ano passado e ratificado pelos Parlamento britânico e Parlamento Europeu –, o país continua a gozar de todos os direitos e a ter todos os deveres de um Estado-membro da UE e do mercado único durante um período de transição que dura até ao dia 31 de Dezembro.
Caso as partes não cheguem a um novo acordo de parceria económica e política até ao final do ano, as trocas comerciais entre os dois blocos passarão a reger-se segundo as regras da Organização Mundial de Comércio a partir do dia 1 de Janeiro de 2021.
Com Rita Siza, Bruxelas