João Lourenço admite que foram desviados bem mais que 24 mil milhões de dólares dos cofres do Estado
No discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente angolano admitiu que Angola foi lesada em “números bem maiores” aos que já tinha anunciado e considerou que realizar eleições autárquicas este ano seria “irrealista”. Oposição contesta e acusa João Lourenço de ser “omisso” sobre data do sufrágio.
O Presidente de Angola, João Lourenço, admitiu esta quinta-feira que o Estado angolano terá sido lesado em valores superiores aos já anunciados 24 mil milhões de dólares, devendo surgir “números bem maiores” à medida que se forem aprofundando as investigações judiciais.
No discurso sobre o Estado da nação que marca a abertura do ano parlamentar, João Lourenço abordou a luta contra a corrupção, que tem sido a bandeira do seu executivo, sublinhando a aprovação de diplomas fundamentais e os vários processo-crime e cíveis em curso com alguns já transitados em julgado.
O Presidente afirmou que o Estado terá sido lesado em, pelo menos, 24 mil milhões de dólares (20,48 mil milhões de euros), valores que tinha revelado no fim-de-semana em entrevista ao The Wall Street Journal, acrescentando, no entanto, que este montante deve ser superior.
“Dizemos pelo menos por que à medida que se vão aprofundando as investigações de alguns processos e seus protagonistas, vão se descobrindo coisas novas, sendo muito provável que mais tarde se venham a anunciar números bem maiores do que este, que, por si só, já ultrapassam a dívida de Angola com seu principal credor”, sublinhou, na Assembleia Nacional.
O chefe do executivo angolano estimou que foram já recuperados cerca de 4,9 mil milhões de dólares (4,18 mil milhões de euros) entre imóveis, dinheiro e outros bens.
João Lourenço destacou que o Tribunal de Contas reforçou as acções de fiscalização sobre as contas públicas, o que tem permitido “moralizar a execução financeira do Estado”, diminuindo as margens para a prática de corrupção, mudando a percepção dentro e fora do país sobre este “nefasto fenómeno”.
Autárquicas
João Lourenço disse ainda que as eleições autárquicas, previstas para 2020, “não foram adiadas porque nunca foram convocadas” e salientou que seria “irrealista e irresponsável” realizar o sufrágio este ano.
Esta é a quarta vez que João Lourenço, Presidente da República de Angola desde Setembro de 2017, se dirige à nação, um imperativo constitucional que determina que seja endereçada esta mensagem na abertura do ano parlamentar.
“Não parece justo e correcto dizer que as eleições foram adiadas. Não se adiam eleições que nunca foram convocadas e não se convocam eleições sem que assentem numa base legal sob pena de não serem consideradas válidas”, afirmou.
João Lourenço garantiu que “todos” estão interessados na realização dessas eleições que vão acontecer pela primeira vez em Angola e que farão “emergir um novo tipo de poder que com certeza vai aliviar, em muito, o peso da responsabilidade que hoje recai sobre o estado na resolução dos problemas quotidianos que afligem o cidadão”.
No seu discurso, João Lourenço mencionou também que, apesar da pandemia de covid-19, o Governo mantém o foco na principal prioridade da sua agenda - trabalhar para diversificação da economia, aumentar a produção local e as exportações e aumentar a oferta de trabalho – e lamentou a “quase paralisação da economia que obrigou ao confinamento forçado de trabalhadores e cidadãos e adiou a retoma económica prevista para este ano”.
Oposição desapontada
Os partidos da oposição com assento parlamentar manifestaram o seu desapontamento com o discurso sobre o Estado da Nação, nomeadamente porque o Presidente angolano não apontou datas para a realização das eleições autárquicas em Angola.
Em declarações à imprensa, o deputado da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE) Manuel Fernandes sublinhou que o seu grupo parlamentar não ficou satisfeito com o discurso do Presidente, porque queriam dados concretos sobre as autárquicas. “O ideal seria ver o Presidente apontar um cronograma que visasse a realização das eleições autárquicas pelo menos no próximo ano”, referiu.
Sobre o combate à corrupção, o deputado da CASA-CE frisou que João Lourenço deixou esperanças e garantias de que à medida que se vai combatendo e descobrindo o desfalque feito serão anunciados os resultados, acrescentando que o importante é que “se consiga devolver ao Estado aquilo que foi surripiado”.
Na mesma linha, o deputado da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) Raul Danda disse que o Presidente angolano “passou muito a leste daquilo que são as principais questões”, nomeadamente as ligadas às autárquicas. “O Presidente continua a ser bastante omisso relativamente a datas para a realização das eleições autárquicas e voltou a dar o dito pelo não dito, infelizmente”, frisou.
O líder da bancada parlamentar do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel, disse que a sua expectativa era que o Presidente avançasse uma data para as eleições autárquicas, “porque isso ia ajudar os partidos políticos a fazerem o seu calendário e a prepararem-se”.
Por sua vez, Lucas Ngonda, da representação da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), lamentou que João Lourenço não tenha referido se as eleições autárquicas se vão realizar “amanhã ou depois”, rebatendo a falta de condições para a realização do sufrágio. “O Presidente da República devia dar um horizonte, dizer que este ano não, mas talvez não tenha querido mais assumir esse risco, porque já o tinha assumido, portanto, é compreensível”, disse Ngonda.