Amélia Muge e Filipe Raposo unidos mais uma vez pelo fio das canções e da poesia
Unidos por uma cumplicidade antiga na música, Amélia Muge e Filipe Raposo apresentam este sábado no Centro das Artes do Espectáculo de Sever do Vouga Pelo Fio dos Versos, um espectáculo guiado pela poesia. Às 21h30.
A cantora e compositora Amélia Muge e o pianista e também compositor Filipe Raposo já trabalharam juntos em múltiplos projectos, mas a génese de Pelo Fio dos Versos, que este sábado se apresenta em Sever do Vouga, no Centro das Artes do Espectáculo (às 21h30), remonta a 2017. Primeiro com uma apresentação na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, no dia Mundial da Poesia (21 de Março), e depois com um espectáculo na Culturgest, também na capital, no dia 8 de Junho, esse intitulado Com o Passo das Árvores. Num e noutro, a poesia foi o fio condutor. Tal como sucedeu, dois anos mais tarde, quando voltaram a reunir-se numa homenagem ao editor e escritor Manuel Hermínio Monteiro (1952-2001), em Sabrosa, no dia 10 de Setembro de 2019, “convocando a sua identidade profundamente transmontana” e “tendo também como referência o seu amor à poesia.” Já então falavam numa “viagem pelo fio dos versos convocando, através das palavras e da música, poetas, histórias, formas de ver, sentir, ouvir, tocar e cantar o mundo.”
Pois é Pelo Fio dos Versos que agora regressam, com a poesia de Camões, Hélia Correia, Grabato Dias, António Ramos Rosa, Rosalía de Castro, Laurie Anderson, Amália ou José Afonso. O título do espectáculo vem de um poema de Miguel Torga e a sugestão do fio de Ariadne retoma deste, e também das ligações de Amélia à Grécia (nos seus trabalhos com Michales Loukovikas, onde Filipe Raposo também participou), a força da mitologia grega.
Combater um outro minotauro
Escreveu Miguel Torga em “Condição”, poema publicado no livro Câmara Ardente (1962): “Guiado pelo fio dos seus versos,/ Entra no labirinto/ Dos próprios sentimentos,/ Mata o monstro sangrento,/ E sai, sedento/ Doutras aventuras/ De mais universal inquietação.” Ao falar do título, e do espírito do espectáculo num momento em que Portugal e o mundo ainda se debatem com a pandemia da covid-19, Amélia Muge justifica-o ao PÚBLICO deste modo: “A ideia é que estamos num labirinto, há aqui um minotauro que não sabemos se é o covid, se é o não conseguir sair de casa, e a Ariadne, aqui, acaba por ser a poesia, a música, a força das palavras, que é a única forma que temos de dar um abraço nestes tempos.”
“Estes concertos são sempre uma espécie de conversa”, diz Amélia Muge, e trabalhar com Filipe Raposo é já para ela tão natural que os ensaios decorrem com a maior fluidez entre ambos: “Esta cumplicidade parece que acontece desde o primeiro momento em que nos vimos, não é só de anos de trabalho conjunto, há uma química artística, quando ele respira eu também respiro. E é fácil, de repente, organizarmos qualquer coisa que nunca foi feita.”
Algo que recomeça
Filipe Raposo também se revê nestas palavras. E o conhecimento que tem do trabalho de Amélia, da sua música e canções (algumas das quais integrarão também o espectáculo), é essencial para garantir essa ligação. A par dos temas ligados ao trabalho dos poetas, e das canções de Amélia, voltarão a interpretar um original feito em parceria por ambos em 2017, De escuro o céu vestimos, e Filipe também tocará temas seus ao piano, como ele explica ao PÚBLICO:
“Há dois temas instrumentais meus, que de certa forma também fazem uma ponte poética com o fio dramatúrgico deste concerto. Tal como Mendelssohn escreveu as Canções sem Palavras, há um conteúdo poético presente na música instrumental e é essa a ideia que se pretende trazer para o concerto.” Serão, ambos, do seu disco Ocre (2019), primeiro volume de uma Trilogia das Cores. “Um deles vai ser No princípio era o fogo, que tem a ver com o fogo enquanto elemento simbólico de algo que começa ou que recomeça.”
E Pelo Fio dos Versos, na continuidade do espírito de Com o Passo das Árvores (para quem o viu, uma inspiradíssima noite e um espectáculo inteligente e múltiplo) é também algo que recomeça, ainda em tempos de incerteza, mas com a força da poesia, da música e da palavra.