Inesperadamente, o Sara e o Sahel escondem milhões de árvores solitárias

Ao combinarem-se técnicas de deep learning com imagens de satélite de alta resolução, identificaram-se mais de 1800 milhões de árvores no Sara ocidental e no Sahel. A região tem mais árvores do que o esperado.

A área analisada estende-se ao longo de mais de 1,3 milhões de quilómetros quadrados
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A área analisada estende-se ao longo de mais de 1,3 milhões de quilómetros quadrados DR
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No Senegal Laurent Kergoat

Pela primeira vez, fez-se uma contagem detalhada e individual das árvores no Sara ocidental e no Sahel. E o resultado final surpreendeu os cientistas pela positiva. Num artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Nature, revela-se a conta final: no Sara, Sahel e na zona sub-húmida da África ocidental podem ser encontradas mais de 1800 milhões de árvores. Este número acaba por ser uma surpresa porque se viu que há árvores a crescer em zonas que, até agora, se julgavam ser apenas deserto.

Contar arbustos e árvores, individualmente, é um grande desafio. E o desafio ainda é maior quando se utilizam as tecnologias de satélite tradicionais com resoluções entre os dez e os 30 metros – que não são suficientemente boas na identificação de árvores individuais, ou solitárias. Esta é uma das razões para, em tentativas anteriores de mapeamento de árvores, se sugerir que as áreas mais secas não tinham muitas árvores e arbustos.

Agora, uma equipa liderada por Martin Brandt (da Universidade da Copenhaga, na Dinamarca) fez uma contagem detalhada de árvores e arbustos com copas de mais de três metros quadrados no Sara, no Sahel e na zona sub-húmida da África ocidental. A área analisada estende-se ao longo de mais de 1,3 milhões de quilómetros quadrados. Para se obterem os resultados, combinaram-se técnicas de deep learning (aprendizagem profunda) com mais de 11 mil imagens de satélite com alta resolução (com cerca de 0,5 metros de resolução espacial).

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Norte do Mali Pierre Hiernaux

Identificaram-se assim mais de 1800 milhões de árvores individuais – o que ultrapassou as expectativas iniciais da equipa. “Não imaginava que pudessem existir tantas árvores numa área que pensávamos que seria apenas de deserto”, assinala ao PÚBLICO Martin Brandt, referindo que, até agora, não se tinha o número de árvores individuais nesta área. “Há milhares de milhões de árvores em zonas secas que não estão a ser consideradas em estudos globais, porque a forma como estão distribuídas na natureza faz com que seja impossível mapeá-las com as imagens de satélites tradicionais.”

Além da contagem, este estudo mostra-nos que o tamanho e a densidade das árvores estão associados à precipitação e ao uso da terra: por exemplo, a proporção de árvores nas terras agrícolas e nas áreas urbanas é mais elevada nas zonas semi-áridas (13%), seguida das áreas sub-húmidas (11%), áridas (2%) e hiper-áridas (0,1%).

“Uma nova era na ciência”

Viu-se ainda que as árvores nas zonas secas têm vários papéis determinantes ao darem um contributo para a biodiversidade, funcionarem como um abrigo e ao serem uma fonte de recursos. Ajudam também a prevenir a erosão do solo e actuam como reservatórios de carbono. Precisamente a nível do ciclo de carbono, estas áreas mais secas não estão muito bem mapeadas. Portanto, tem-se agora uma oportunidade para colmatar esta falha. “Nas zonas mais secas, as árvores são um importante meio de subsistência. Saber o seu número e localização é um primeiro passo para a gestão deste recurso”, considera Martin Brandt.

O cientista destaca ainda que a utilização de técnicas de deep learning com imagens de satélite de alta resolução na contagem de árvores marcam “uma nova era na ciência”. “[Esta contagem] já não se baseia em estimativas. São números reais.” No artigo científico, a equipa sugere que esta forma de investigação pode agora ser extrapolada para investigações relacionadas com as alterações climáticas ou a pobreza.

A desertificação em África tem sido uma preocupação. Um projecto de grande dimensão de plantação de uma barreira de árvores que atravessa todo o continente africano é o Great Green Wall (Grande Muralha Verde) e está a combater a desertificação e a escassez hídrica. Martin Brandt diz que, embora o estudo agora publicado não esteja directamente relacionado com a Grande Muralha Verde, pode ser um bom método para analisar a plantação de árvores nestas áreas mais secas.

Num comentário ao artigo também na Nature, Niall P. Hanan e Julius Y. Anchang (ambos da Universidade Estadual do Novo México, no EUA, e que não participaram no estudo), frisam que o estudo tem algumas limitações, como o facto de poder não estar a distinguir uma grande copa de uma árvore das copas adjacentes, mas que abre a porta à identificação de todas as árvores do mundo. “Os dados sugerem que irá ser possível em breve, com certas limitações, mapear a localização e o tamanho de todas as árvores no mundo”, sugerem. 

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