Trump voltou aos comícios e a estratégia pode passar agora por atacar Kamala Harris
Presidente norte-americano disse que vai “salvar os EUA da esquerda radical”, enquanto algumas figuras próximas de Trump pressionam para um ataque mais cerrado à candidata a vice de Joe Biden que por estes dias está focada na audição da juíza Amy Barrett.
Dez dias depois de ter sido diagnosticado com covid-19, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou aos comícios na segunda-feira, na Florida, um dos estados decisivos nas eleições do próximo dia 3 de Novembro, onde surge quatro pontos percentuais atrás do candidato do Partido Democrata, Joe Biden, segundo a média das sondagens agregadas pelo site Real Clear Politics.
Entre declarações em que se dizia sentir “poderoso” e com vontade de “beijar toda a gente na audiência”, Donald Trump fez vários ataques ao seu adversário democrata, numa tentativa de recuperar a desvantagem nas sondagens, uma estratégia que, contudo, não parece estar a resultar, já que Biden continua a liderar a nível nacional e a surgir ligeiramente à frente das intenções de voto nos estados decisivos, como a Florida.
Por isso, alguns analistas apontam para uma mudança na estratégia da campanha republicana, que se prepara para pôr o foco dos ataques em Kamala Harris, a “vice” escolhida por Biden.
Descrevendo Kamala Harris como “agressiva” e Joe Biden como “dócil”, o antigo líder da Câmara dos Representantes Newt Gingrich, apoiante de Trump, tem pressionado a campanha do Presidente norte-americano para colar a senadora ao rótulo de extremista.
“Se os eleitores perceberem a dimensão do seu radicalismo, vão concluir que seria demasiado arriscado ter uma pessoa assim na Casa Branca”, disse Gingrich à Associated Press.
Na semana passada, após o debate entre Kamala Harris e Mike Pence, Trump começou a ensaiar os ataques à senadora democrata, chamando-lhe “monstro” e “comunista”. “Ela é uma comunista. Não é uma socialista, está muito para lá disso. Ela quer abrir as fronteiras e permitir que assassinos e violadores entrem no nosso país”, disse o Presidente norte-americano, no rescaldo do debate, à Fox Business. “Ela está à esquerda do Bernie [Sanders]. É uma comunista”, reforçou.
Noutra entrevista à Fox News, Trump agitou o fantasma da possível sucessão de Biden – que, a ser eleito, será o Presidente mais velho da história do país, tomando posse do cargo com 78 anos – e insinuou, sem sustentar a sua posição com provas, que Kamala Harris sucederá ao candidato democrata “três meses após a tomada de posse”.
Radicalismo?
Marcia Fudge, congressista democrata pelo estado de Ohio, chama a atenção para os ataques racistas e misóginos levados a cabo por alguns membros do Partido Republicano, e em particular Trump, numa tentativa de criar entusiasmo junto da sua base de apoio.
“É realmente um esforço para dizerem à sua base: ‘Olhem, não queremos que uma mulher negra seja Presidente, que uma pessoa negra assuma o poder caso aconteça algo a Joe Biden’”, disse à AP Fudge, que liderou o Congressional Black Caucus, hoje presidido por Karen Bass.
No entanto, sublinha a congressista, os esforços para colar Kamala Harris a uma imagem de radicalismo não fazem qualquer sentido. “Os republicanos falam consistentemente de lei e ordem e [Kamala] é a única pessoa nesta corrida que tem essa experiência”, reitera.
Quando foi escolhida por Joe Biden, os analistas apontaram precisamente para o facto de a senadora e antiga procuradora-geral de São Francisco e da Califórnia ser considerada uma figura do establishment, que não entusiasma particularmente a ala mais à esquerda do Partido Democrata, encabeçada por figuras como Bernie Sanders, Elizabeth Warren ou Alexandria Ocasio-Cortez.
Kamala Harris, de resto, foi criticada pela esquerda precisamente por, durante o seu mandato enquanto procuradora, ser demasiado dura com a pequena criminalidade, sobretudo com a posse de drogas leves.
Segundo dia de audições
No comício da Florida, enquanto Donald Trump tentava colar o Partido Democrata à “Cuba comunista” e à “Venezuela socialista”, num piscar de olho ao eleitorado hispânico, importante no estado, e prometia “salvar o país da esquerda radical”, Kamala Harris participava na audição da juíza conservadora Amy Coney Barrett, escolhida pelo Presidente norte-americano para preencher a vaga no Supremo Tribunal com a morte de Ruth Bader Ginsburg.
Sem os votos necessários no Senado para impedir a nomeação da juíza, o Partido Democrata está a apostar na estratégia de colar Amy Barrett a uma tentativa do Presidente Trump para destruir o Obamacare, e Kamala Harris, que no primeiro dia de audiência participou por videoconferência, disse que a sessão “devia ter sido adiada” devido à covid-19 e visou directamente Trump e o Partido Republicano.
“Acredito que esta audiência é uma tentativa clara de fazer passar um nomeado para o Supremo Tribunal que vai retirar os cuidados de saúde a milhões de americanos, durante uma pandemia mortífera que já matou mais de 214 mil americanos”, acusou Harris, no primeiro dia de audiência, sem referir uma única vez o nome de Amy Coney Barrett.
Esta terça-feira, os senadores puderam questionar directamente a juíza, e a “vice” de Joe Biden teve oportunidade de interpelar Amy Barrett que, caso veja a sua nomeação ser confirmada, dará uma maioria de 6-3 aos juízes conservadores no Supremo, o que pode influenciar a política norte-americana durante várias décadas, já que o cargo é vitalício. Se for nomeada, como pretende o Partido Republicano, antes das eleições, Barrett será já chamada a decidir sobre a inconstitucionalidade do Obamacare, que será discutida pelo Supremo no dia 10 de Novembro, uma semana após as eleições.
Durante o segundo dia de audiências, o primeiro em que respondeu às perguntas dos senadores, a juíza conservadora disse que não é “hostil” ao Obamacare, e garantiu que consegue pôr de lado as suas crenças religiosas – é uma católica devota e foi serva num grupo religioso – e que não tem agenda, prometendo “nunca discriminar com base nas preferências sexuais”. Nas questões sobre o aborto, Barrett optou por fugir ao tema.
Questionada sobre o caso de George Floyd, o afro-americano assassinado por um polícia branco em Mineápolis, em Maio, Barrett disse que o assunto era “bastante pessoal” para a sua família, porque dois dos seus sete filhos são negros, nascidos no Haiti, revelando que uma das suas filhas chorou ao ver o vídeo.
“É difícil para nós, tal como para todos os americanos”, disse a juíza, afirmando que o “racismo persiste” nos Estados Unidos.