Quem quer uma freguesia?
Concluir o processo legislativo de criação de novas freguesias a seis meses das autárquicas é pouco sensato, por permitir que se instale a dúvida sobre o critério e oportunidade das mesmas.
Não há um estudo taxativo que nos diga que a fusão de freguesias em 2012 foi um rotundo fracasso ou um retumbante sucesso. A primeira avaliação sobre a reforma territorial das freguesias, conduzida pela Universidade do Minho quatro anos após a sua aplicação, chegava à conclusão de que só 26% das freguesias agregadas pretendiam regressar ao modelo anterior e que a maioria destas assumia ter aumentado a “prestação de serviços à população” e a eficácia na gestão do dinheiro público.
Um outro estudo, divulgado pelo ISEG, em Janeiro, indicava que a fusão de freguesias não se traduzira, à excepção do Algarve e do Alentejo, no aumento da eficiência nos serviços prestados. A informação que existe sobre esta reforma, que extinguiu 1200 freguesias, e que antes tinha feito o mesmo com 18 governos civis, é quase toda ela circunscrita ao nível concelhio e regional, reflectindo a diversidade do território e a ausência de uma visão global. Precisávamos de saber mais sobre a sua eficácia e não sabemos.
A eliminação de freguesias nos principais centros urbanos não levanta dúvidas. O território contínuo assim o exige. Foi o que António Costa fez enquanto presidente da Câmara de Lisboa. O que de mais radical se alterou para os munícipes deve ter sido a dificuldade de enumerar as freguesias que passaram a integrar a sua – a rebaptizada freguesia do centro histórico do Porto é um excelente exemplo. Um bairro não pode ser uma freguesia.
O processo de vinculação e as ligações identitárias nas localidades do interior são, naturalmente, diferentes, e ainda explicam o facto de em algumas delas o número de habitantes não coincidir com o número de eleitores. A reforma territorial teve os seus erros. Mas vale a pena recuperar o tema, abrindo a possibilidade de criar mais 600 freguesias, como admitido pelo Governo, a reboque da discussão em curso sobre o Orçamento do Estado? É discutível.
O programa eleitoral do PS em 2019 mencionava, genericamente, essa possibilidade, e o PCP é particularmente insistente na necessidade de reverter a reforma de Miguel Relvas. Mas concluir este processo legislativo a seis meses das eleições autárquicas parece pouco sensato, por permitir que se instale a dúvida sobre o critério de criação de freguesias. Algumas delas podem ter sido eliminadas a “regra e esquadro” com a troika como álibi, mas não podemos correr o risco de termos novas freguesias criadas no Parlamento por meras estratégias eleitorais. O mapa administrativo não pode ser o mapa do voto.