Plátanos, ciclovias, café e sky garden: eis a nova vida da Corujeira

Atelier Miguel Melo, de Guimarães, foi o vencedor do concurso municipal para reabilitar praça da Corujeira e envolvente. Proposta privilegia arvoredo original e quer melhorar a vida de quem habita aquela zona oriental do Porto. 2024 deverá ser o ano da vida nova da Corujeira.

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Quem daqui a uns anos se sentar na esplanada da Praça da Corujeira, em Campanhã, não terá os pés assentes no chão. A estrutura em madeira maciça de pinho tratado será construída à altura dos ramos das árvores e desse ponto, esperam os arquitectos que a desenharam, a experiência sensorial e ligação com a natureza serão ainda mais fortes. Este “edifício bar” – que terá café, um quiosque e sanitários – estará em “diálogo” com o elemento estruturante de todo o projecto que venceu o concurso de reabilitação do espaço público da zona da Corujeira: os plátanos. “Estas árvores centenárias são a centralidade do projecto. Dão à praça dignidade, carácter e uma escala transcendente”, disse ao PÚBLICO Miguel Melo, o arquitecto que dá nome ao atelier de Guimarães responsável pelo futuro desta geografia no oriente do Porto.

As seis propostas apresentadas ao concurso criado pela Câmara do Porto – que além de um projecto para a praça exigia um plano para as ruas Nova da Corujeira, Central da Corujeira Ferreira dos Santos, das Escolas e de São Roque da Lameira – foram conhecidas esta quinta-feira e o júri optou pela “muito original e inovadora” ideia do atelier Miguel Melo, onde trabalham quatro arquitectos. A autarquia vai investir 4,4 milhões de euros num espaço que quase atinge os 50 mil metros quadrados.

O projecto estará em elaboração durante o próximo ano e, tendo em conta o “procedimento de contratação da empreitada”, que exige visto do Tribunal de Contas, a autarquia não prevê o início das obras “antes do segundo semestre de 2022”. O prazo de concretização não deverá ser “inferior a 18 meses”, podendo, com estas contas, definir-se o ano de 2024 como o da inauguração do espaço.

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Se os prazos forem cumpridos, a nova Praça da Corujeira deverá estar pronta em 2024 Miguel Melo Arquitectura/ DR

O trabalho do atelier vimaranense foi produzido em plena pandemia. Miguel Melo, apaixonado por projectos urbanos, tinha a equipa com pouco trabalho e decidiu agarrar o desafio. A viver no Porto, o arquitecto de 50 anos conhecia bem a Praça da Corujeira e, após o estudo das premissas impostas pelo município, o entusiasmo rapidamente contagiou todos. A ideia de valorizar o arbóreo existente tornou-se epicentro e a vontade de “melhorar as condições de quem habita” a zona uma quase missão.

Um dos colaboradores, conta Miguel Melo, passou três dias a observar quem usava a praça e que caminhos fazia naquele espaço. Apesar das restrições impostas pela covid-19, era óbvia a presença dos mais velhos e de uma geração algures entre os 15 e os 25 no jardim. “Era local de encontro, de passeios com os cães e de caminhos aleatórios”, perceberam. Os trilhos do novo parque urbano – que promete ser acessível a pessoas com mobilidade condicionada –  foram esboçados com essas passeatas em mente e vão ter zonas pedonais e ciclovia.

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No espaço livre de caminhos, haverá bancos (os originais, mas recuperados), bebedouros, sinalética para aprender sobre as espécies arbóreas do parque, áreas para jogos tradicionais (como malha ou petanca) instaladas em pavimento em saibro e ainda um piso de borracha permeável ou áreas ajardinadas com prado para os mais novos se esticarem na brincadeira.

No que a diversão e aventura diz respeito, a grande atracção fica, no entanto, noutro patamar. Novamente acima do chão. Os arquitectos propõem a criação de um “Sky garden parque de arborismo”, dando ainda mais protagonismo aos apreciados plátanos. E, neste particular, haverá versões com mais ou menos adrenalina: uma das plataformas fica reservada a passeios calmos para observar as aves no meio da flora, a outra a desportos radicais (com o Sky Garden do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra como referência). Esta parte do projecto não está, no entanto, orçamentada e a sua concretização dependerá de uma vontade “extra” da autarquia.

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O Sky Garden do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra é uma referência para aquilo que os arquitectos gostariam de fazer no Porto Miguel Melo Arquitectura/ DR

O “edifício bar” será, se esta parte do projecto avançar, o ponto de partida para o início destas actividades, podendo receber a “sede deste desporto”, sugere o atelier Miguel Melo. Com um elevador em betão e a cobertura em painéis de zinco tipo camarinha, este bar central pretende ser uma referência da nova entrada do parque pela Rua da Lameira de Baixo.

O edifício onde actualmente funciona o centro social da junta de freguesia de Campanhã, no jardim, deverá ser demolido, passando esta valência social para um dos edifícios devolutos desta zona da cidade, sugere o relatório do projecto.   

Uma rua sem carros até ao Matadouro

Se a Corujeira é o epicentro para o atelier vimaranense, há uma outra centralidade que não poderiam esquecer: “O Matadouro foi a nossa segunda preocupação”, salienta Miguel Melo. Entre os dois pontos, os arquitectos sugerem uma ligação pedonal, retirando os carros da Rua Nova da Corujeira (onde as bicicletas também serão permitidas).  Em frente ao Matadouro – cujo projecto teve visto do Tribunal de Contas em Abril e está agora em “fase de elaboração” –, o atelier gostava de ver criada uma praça, sugerindo a transformação da área numa “Zona 30” (onde o limite de velocidade é de 30 quilómetros por hora).

Minimizar o “impacto da circulação viária na área de intervenção” e “baixar os índices de poluição registados” eram também objectivos subjacentes ao projecto. E a missão naquela geografia não era simples. “Há na zona várias faixas com duplo sentido, muito estacionamento. Cingimos ao mínimo as vias e aumentamos os passeios”, revela Miguel Melo, contando ainda que os arruamentos deverão ter também algumas árvores, como se fosse uma “ligação contínua à praça”.  

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Ligação entre Matadouro e Praça da Corujeira deve ser feita por rua pedonal Miguel Melo Arquitectura/ DR

Aqui havia feira do gado e dos moços

Referido como um simples lugar em 1675 e aldeia em 1707, aquele território surge já com algum destaque em 1892, na Carta Topográfica da Cidade do Porto assinada por Gerardo Telles Ferreira. A culpa é do “mercado da Corujeira”, ladeado pelos lugares de “Corujeira de Cima e Corujeira de Baixo”, onde reinavam os terrenos de cultivo e rareava a edificação.

Durante boa parte do século XX a praça da Corujeira foi palco da feira do gado e dos moços (ali se contratava gente de tenra idade para trabalhar na lavoura). Já depois do 25 de Abril, com a feira desactivada, foi construído um parque infantil em Maio de 1976 e um centro social em 1985. A praça transformou-se num jardim municipal. Os últimos longos anos trouxeram, no entanto, a degradação ao local para o qual muitos têm reclamado outra dignidade.

O executivo de Rui Moreira almeja transformar a Corujeira numa “espécie de Ágora da freguesia”, disse ao PÚBLICO, e elege este projecto como “estruturante para a alavancagem da estratégia da reabilitação urbana e transformação desta área da cidade”.

A aprovação de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) da Corujeira, em Abril de 2019, é uma das armas de intervenção da autarquia naquele território oriental, para o qual há vários projectos pensados. A Câmara do Porto espera “renovar o papel de centralidade” desta praça algo esquecida do Porto, promovendo “mobilidade e acessibilidades” (com destaque para a bicicleta) e reforçando a integração da praça no sistema de acessos ao centro a partir do oriente. A “qualidade social e ambiental” da zona é também uma preocupação do executivo de Rui Moreira, que acredita que a Corujeira pode transformar-se num espaço de lazer não só para quem mora em Campanhã, mas para toda a cidade.

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