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Sapeurs: os dandies do Congo enfrentam a pobreza com um guarda-roupa de luxo
As coloridas vestes dos dandies dos Congos — ou sapeurs, como são conhecidos — contrastam expressivamente com a pobreza cinzenta de Brazzaville e Kinshasa. Vestir bem é, para estes homens e mulheres, um estilo de vida, uma espécie de religião, um vício, até. Mas não só. É também um acto de rebeldia contra a estrutura socioeconómica que os condena à pobreza.
Por entre o pó das ruas de terra batida das cidades vizinhas de Kinshasa e Brazzaville, passeiam elegantemente os sapeurs de dois Congos. Os seus fatos, caros, exuberantes, coloridos, destoam gritantemente do cenário de pobreza em que estão inseridos — o que torna a sua presença num acto de afirmação festiva e, mesmo, de rebelião contra essa mesma ordem socioeconómica. Os sapeurs são, por isso, percepcionados, no seio das suas comunidades, como celebridades, personalidades que iluminam um quotidiano lúgubre e cinzento com cor, com chic e joie de vivre.
É com peças de vestuário da Hugo Boss, Yves Saint Laurent, Giorgio Armani, Chanel, Dolce & Gabbana, Versace ou Louis Vuitton que estes homens e mulheres — as últimas denominadas de sapeuses — conquistam a atenção de todos nas ruas das duas capitais. “São uma visão extraordinária”, relembra o fotógrafo britânico Tariq Zaidi, em entrevista ao P3. As suas fotografias, que estão compiladas no fotolivro Sapeurs - Ladies and Gentlemen of the Congo, editado pela Kehrer Verlag, não o deixam mentir. “Vestidos em fatos vistosos de dois mil dólares, acompanhados de papillons, chapéus fedora e guarda-chuvas, eles ostentam as suas riquezas pelas estradas de terra, debaixo de um calor de 40 graus. E são, literalmente, seguidos na rua por muitas pessoas, que os admiram. São muito respeitados.” Na República Democrática do Congo, o "rendimento médio, por habitante, em 2018, era de 900 dólares”, refere Zaidi. “O que coloca em perspectiva a compra de uns sapatos de pele de crocodilo de 1300 dólares.”
Os congoleses são conhecidos por cuidarem bastante a sua aparência. Diz um ditado local que “é melhor vestir bem do que comer bem”. Mas La Sape — acrónimo para Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes — leva o “bem vestir” para um outro nível. O sapeur médio está longe ser um homem ou mulher de posses. “Eles têm empregos comuns e ganham muito pouco dinheiro ao final do mês. Poupam aqui e ali e podem demorar anos a juntar dinheiro suficiente para comprar um fato”, diz o britânico. “Mas preferem gastar 100 ou 200 dólares numa camisa do que poupar para comprar uma casa, um carro, uma mota. A sua prioridade é ter um aspecto fabuloso a qualquer o custo.” Zaidi justifica: La Sape, além de ser um estilo de vida, é uma espécie de religião. Um vício, também, uma vez que o estatuto de rock star pode ser aditivo. Não é de estranhar, por isso, que o sapeur frequentemente se endivide para conseguir adquirir roupa.
Kinshasa e Brazzaville são duas capitais separadas por um rio, mas unidas por La Sape. Os seus estilos, no entanto, divergem. Se em Brazzaville, na República do Congo, existe uma preferência pelo estilo francês de vestir, em Kinshasa, na República Democrática do Congo, “vale tudo”. “Desde quimonos japoneses a kilts escoceses”, explica Zaidi. “A verdadeira 'sapologia' não gira apenas em torno de roupas de marcas caras — embora não seja considerada uma boa prática comprar artigos de contrafacção: a verdadeira arte reside na capacidade de um sapeur combinar a sua personalidade com o seu traje.”
O britânico acredita que La Sape transmite uma mensagem importante que é, por vezes, desconsiderada. “O sapeur diz ao mundo que, independentemente de onde nasceu e de onde vive, ele também pode ter um look incrível se assim desejar. Desta forma, traz esperança e alegria a comunidades que sofreram anos de violência e conflito. La Sape é uma forma de activismo, uma inversão do poder, um acto de rebeldia contra as condições económicas a que os congoleses estão sujeitos.” La Sape é e sempre foi, mesmo na sua génese, sinónimo de rebeldia.
O movimento nasceu nos anos 20 do século XX, quando a República Democrática do Congo era ainda uma colónia belga. Para os congoleses, então subjugados, vestir bem era uma forma de desafio à superioridade colonial. “Os empregados congoleses desdenhavam das roupas dos seus empregadores ricos e europeus e passaram, apesar dos seus baixos rendimentos, a consumir artigos luxo [desafiando assim o seu estatuto].” Uma chapada de luva branca, poderá dizer-se.
O movimento ganhou força após a instauração da independência da Bélgica, nos anos 60, e quase foi banido nos anos 80. Mais recentemente, ressurgiu com novo fôlego e hoje sapeurs de todas as idades reúnem-se em cafés e bares específicos das duas cidades para conversar, dançar, exibir roupa e competir, de forma saudável, pelo título de sapeur, sapeuse ou mini-sapes mais bem vestido. “La Sape está em crescimento global graças à sua exuberância e à liberdade de expressão que permite”, refere Zaidi. “Será interessante ver para onde as novas gerações de sapeurs e sapeuses irão levar este movimento.”