Pelo direito dos pais a serem tratados como as mães

Joana cansou-se da vida de casada e decidiu que queria o divórcio e, ao contrário da canção de Ágata, ela queria as jóias, o carro, a casa, as contas do banco e a casa de campo, mas não queria as crianças.

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Miguel Manso

É um facto, deitamos as mãos à cabeça de cada vez que conhecemos uma decisão de um juiz alegadamente machista, daqueles que desvalorizam a violência doméstica ou culpam as mulheres pela violação, daqueles que citam a Bíblia, e com ela constroem argumentos para julgarem os factos. Indignamo-nos porque as faculdades continuam a ter professores vetustos que parecem saídos da década de 1950, mas não nos indignamos com as juízas que continuam presas ao preconceito de que mãe é mãe e pai é um acessório.

João, nome fictício de um homem real, foi o pai e a mãe dos seus filhos. Joana, nome fictício da mulher real de João, nunca quis ter filhos. Acabou por tê-los a troco de uma casa e de um carro negociados com João. Joana tinha uma carreira, chegava tarde a casa, deitava-se estafada e quando os bebés choravam com fome, João levantava-se, pegava nas crianças, aproximava-as da mãe — que lhes dava de mamar para, a seguir, virar-se para o outro lado e continuar a dormir —, de seguida, João punha-os a arrotar e voltava a adormecê-los não sem antes verificar se era preciso mudar a fralda.

Foi com João que os filhos aprenderam a comer, a dar os primeiros passos, a deixar as fraldas, a dizer as primeiras palavras, a andar de bicicleta. Joana cansou-se da vida de casada e decidiu que queria o divórcio e, ao contrário da canção de Ágata, ela queria as jóias, o carro, a casa, as contas do banco e a casa de campo, mas não queria as crianças. João queria os filhos mas queria também uma divisão equitativa dos bens. Joana ficou furiosa e jurou que João ficaria sem nada, descendência incluída.

O tribunal decidiu que os bens materiais seriam divididos, já a residência não seria partilhada de forma igual porque mãe é mãe. De nada valeu a João e às suas testemunhas, incluindo as próprias crianças, explicarem à juíza que Joana era uma mãe ausente. Para a magistrada, a maternidade é feminina e a paternidade é masculina, logo, indiferente e displicente. Por isso, João pode ir buscar os filhos à quinta-feira e entregá-los ao domingo. Uma sorte, dir-me-ão os pais que só os podem ver a cada 15 dias e apenas ao fim-de-semana.

Conforme vimos esta semana, não são só os tribunais que são machistas, os políticos também. O estabelecimento da residência alternada das crianças em caso de divórcio dos pais como “solução preferida pela lei” não avançou. Ao contrário do que se previa inicialmente, os deputados do PS e do PSD acordaram apenas que “o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos”. Antes, a ideia era a de definir que a residência alternada dos menores passaria a ser a regra a adoptar pelos tribunais, independentemente da vontade dos progenitores, o que vincularia os juízes ao dever de fundamentação sempre que tomassem uma decisão contrária. Uma oportunidade perdida, como diz a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos.

Os pais já não são uns seres estranhos nas vidas dos filhos. Aliás, na última entrevista que Daniel Sampaio deu ao PÚBLICO falava nisso mesmo, recorrendo à investigação que tem sido feita nesta área e que demonstra que existe uma reacção biológica nos homens que vão ser pais e também naqueles que cuidam dos seus bebés. Uma “revolução”, classifica o psiquiatra, que poderá levar a uma mudança de paradigma na forma como a sociedade olha para o pai, nomeadamente os tribunais quando decidem a guarda das crianças, considera.

Numa altura em que tanto se fala de direitos iguais para géneros, etnias, opções sexuais, é importante que estes mesmos direitos cheguem também às famílias e os pais sejam tratados como as mães.

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