Os papagaios não falam
- Mas eu não posso ficar aqui, tenho de ir à escola. Porquê que a avó não compra um papagaio e fala com ele? – sugeri eu, que na minha inocência pensava que tais aves coloridas falavam mesmo e que o estilo de pirata encaixaria perfeitamente na minha avó, católica devota.
“Francisca, vamos visitar a avó que está cheia de saudades tuas.” Tinha menos de dez anos e as viagens de carro de duas horas até ao Minho eram um sacrilégio, a casa da avó não tinha computador nem televisão com Disney para ver os desenhos animados, tinha medo das galinhas soltas na entrada da casa e o contraste com a realidade do meu quotidiano aborrecia-me. Apesar de tudo, todas estas resistências dissipavam-se entre os passeios pelos pomares, onde provava os frutos da época e ficava a saber quais é que podia colher na visita seguinte, os risos da minha avó que eram tão mais felizes do que nas chamadas ao telefone, os cumprimentos aos vizinhos que docemente vinham à porta e trocavam novidades. Em poucas horas sentia-me em casa.
Numa destas visitas, a minha avó exclamou:
- Como eu gostava de te ter sempre aqui comigo para falarmos todos os dias, minha estrela do Norte!
- Ó avó, mas eu não posso ficar aqui, tenho de ir à escola. Porquê que a avó não compra um papagaio e fala com ele? – sugeri eu, que na minha inocência pensava que tais aves coloridas falavam mesmo e que o estilo de pirata encaixaria perfeitamente na minha avó, católica devota.
- Não é a mesma coisa, minha riqueza... – respondeu, rindo amarguradamente.
Nas viagens de regresso esquecia-me dos momentos de alegria e as desvantagens voltavam a ser nítidas, para na visita seguinte ceder novamente ao encanto daquele lugar: era um ciclo.
Actualmente, já não ofereço qualquer resistência e é com agrado que visito as terras do Alvarinho, que permanecem iguais com o passar dos anos, mas com menos pessoas e mais cabelos brancos. A beleza calma dos montes e a fertilidade dos campos deixou de ser suficiente para travar um êxodo que começou bem antes de eu ter nascido.
Uma desconexão que ultrapassa a da rede móvel, que só capta a rede espanhola, apoderou-se daquele meu refúgio tal como aconteceu noutras aldeias do interior do país: verifica-se uma falta de acessibilidade assustadora ao hospital, ao supermercado, ao centro da cidade, a transportes públicos que proporciona um estado de isolamento para todos aqueles sem carro próprio e com mobilidade reduzida. Mesmo para quem tenta investir na terra onde nasceu, os apoios são escassos ao contrário da burocracia imensa de um sistema viciado. Numa simples passagem de fronteira, a vida é diferente de forma melhor e temos a confirmação que não é puramente a localização geográfica que dita este atraso civilizacional português, mas sim um desinvestimento e despreocupação contínuos.
Assim, nos lares, os idosos encontram um refúgio para o abandono da sociedade que não construiu meios para que estes mantivessem a sua independência, para a solidão de quem os filhos foram para os centros urbanos à procura de mais oportunidades, para quem quis garantir o seu conforto nos últimos anos de vida. Enquanto população factualmente envelhecida, o que é que o futuro nos reserva? Existe uma negligência inquietante no que toca a este tema, não que o dever de empatia e responsabilidade para com estes cidadãos não fosse por si só suficiente para tentar resolver este flagelo. É de notar que aparentemente muitos se esquecem que um dia todos nós pertenceremos à terceira idade. É urgente criar acessos, redes de apoio, fiscalizar os lares deste país, que tantos escândalos vergonhosos nos oferecem, resolver os “casos sociais” dos hospitais, entre outros problemas que mereciam igualmente ser nomeados. Criar consciência, começar a agir.
Os papagaios não falam, mas repetem sons. Espero um dia conhecer um capaz de voar os céus alto o suficiente, encontrar a mulher com os olhos azuis cor de ternura mais bonitos que conheci e enviar a mensagem que a saudosa neta, que tem a esperança inocente de mudar o mundo, não desistirá do interior que ela lhe ensinou a amar e a respeitar, tal como cuidará com humanidade de por quem o tempo passou.