Horários desfasados proibidos por falta de transportes ou assistência a familiares

Governo definiu em que circunstâncias o trabalhador pode alegar “prejuízo sério” para evitar o desfasamento do horário. Isso será possível quando não tiver transportes públicos para entrar mais cedo ou mais tarde, ou quando for “imprescindível” prestar assistência a familiares.

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Medida aplica-se às empresas com mais de 50 funcionários no local de trabalho Miguel Manso

O diploma do Governo que obriga as empresas com locais de trabalho com 50 ou mais trabalhadores a desfasar os horários de entrada e saída — nos territórios a definir em função da evolução da pandemia — foi publicado nesta quinta-feira em Diário da República.

Até ao final de Março do próximo ano, as empresas poderão desfasar, semanalmente, os horários de entrada e saída entre 30 minutos a uma hora. O decreto-lei inclui uma série de excepções para que alguns trabalhadores mantenham o horário habitual. E há uma novidade: os trabalhadores podem invocar “prejuízo sério” se não tiverem oferta de transportes públicos para cumprir o novo horário ou se tiverem de prestar “assistência inadiável e imprescindível” a um familiar (a um filho ou a um pai, por exemplo).

O diploma pode ser consultado aqui, no Diário da República.

Já se sabia que o Governo tinha criado uma salvaguarda para que os trabalhadores possam alegar que o desfasamento de horário de entrada e saída — entre 30 minutos a uma hora — é prejudicial. E o que a versão final do diploma vem esclarecer são duas dessas situações em que os trabalhadores podem invocar que a mudança conflitua com a vida pessoal ou familiar.

O Governo define que “o empregador pode alterar os horários de trabalho até ao limite máximo de uma hora, salvo se tal alteração causar prejuízo sério ao trabalhador”. E como “prejuízo sério” especifica aquelas duas circunstâncias: “a inexistência de transporte colectivo de passageiros que permita cumprir o horário de trabalho em razão do desfasamento” e “a necessidade de prestação de assistência inadiável e imprescindível à família”.

Mas o diploma tem uma nuance. Pode haver outras razões que justificam o “prejuízo sério” e, por isso, o que o Governo faz ao referir estes dois casos é deixar claro na lei que pretende que as duas particularidades estejam acauteladas, sem deixar de garantir que estas não são as únicas possibilidades. É por essa razão que o diploma refere que, como “prejuízo sério”, deve considerar-se “nomeadamente” aquelas duas. “Há outras situações que podem configurar prejuízo sério, como a frequência de cursos ou a existência de outras obrigações laborais ou cívicas”, salienta o advogado especialista em direito do trabalho Fausto Leite.

Justamente uma situação em que o conceito se aplica é a de um trabalhador-estudante para quem a diferença horária traz “uma desregulação da sua vida profissional e da sua vida académica”, segundo dizia ao PÚBLICO recentemente o advogado Pedro da Quitéria Faria, sócio da sociedade Antas da Cunha ECIJA, antes de ser conhecida esta versão final do diploma.

Como invocar o prejuízo

Para alterar os horários, o empregador tem de fazer uma “consulta prévia aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores ou, na falta desta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais”. E “deve comunicar ao trabalhador a alteração efectuada com antecedência mínima de cinco dias relativamente ao início da sua aplicação”.

Quem entender que a mudança lhe é prejudicial, deve prestar atenção a este período de cinco dias. O advogado Fausto Leite lembrava recentemente ao PÚBLICO que, nessas circunstâncias, o trabalhador deve comunicá-lo por escrito ao empregador “durante o aviso prévio de cinco dias ou, caso não sejam afixados os novos horários, imediatamente após a sua aplicação”. Para provar que há prejuízo sério, deve juntar um comprovativo.

Solicitá-lo não significa, porém, que a empresa aceite a justificação e se a empresa recusar o pedido “abusivamente”, dizia Fausto Leite quando era conhecida a versão preliminar, o trabalhador “pode participar a contra-ordenação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ou requerer, de imediato, uma providência cautelar no competente juízo do trabalho para garantir, com urgência, o direito à manutenção do horário”.

Há excepções em que os trabalhadores não precisam de cumprir o novo horário, nem invocar “prejuízo sério”. Segundo o diploma, as trabalhadoras grávidas ou que estão a amamentar, assim como os trabalhadores com menores de 12 anos a seu cargo (ou com filhos com deficiência ou doença crónica), os trabalhadores menores, os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica não precisam de alegar o prejuízo para manter o horário de trabalho habitual.

O diploma refere que compete à ACT “fiscalizar o cumprimento” das regras previstas no diploma. O facto de o “prejuízo sério” ser um conceito aberto levou as centrais sindicais e advogados de direito laboral a pedirem que o Governo densificasse o diploma. A CGTP sugeriu que se esclarecesse a forma como o conceito pode ser invocado “e com que fundamentos”, e defendeu ainda que deveria ficar explícito “quem aprecia a existência deste prejuízo”.

Horário igual durante a semana

O Governo determina que as empresas não podem efectuar mais do que uma alteração horária por semana — ou seja, “a alteração do horário de trabalho deve manter-se estável por períodos mínimos de uma semana”, isto é, ser igual durante toda a semana de trabalho.

Na lei fica também expresso que a mudança “não pode implicar a alteração dos limites máximos do período normal de trabalho, diário e semanal, nem a alteração da modalidade de trabalho de diurno para nocturno ou vice-versa.”

Se trabalhadores temporários ou a recibos verdes estiverem a trabalhar presencialmente num dos locais onde o desfasamento de horários é obrigatório, a empresa tem de “assegurar o cumprimento” destas regras para esses trabalhadores (“com as necessárias adaptações”).

Medidas sanitárias

Além de o empregador ter o poder de alterar as horas de entrada e saída, “garantindo intervalos mínimos de trinta minutos até ao limite de uma hora entre grupos de trabalhadores”, também deve organizar o espaço para garantir o distanciamento físico, através de quatro medidas: organizar o trabalho por equipas (“de modo que o contacto entre trabalhadores aconteça apenas entre trabalhadores de uma mesma equipa ou departamento”; garantir o uso de “equipamento de protecção individual adequado, nas situações em que o distanciamento físico seja manifestamente impraticável” por causa do tipo de trabalho; alternar as pausas para descanso entre as equipas (incluindo para as refeições); e promover a modalidade do teletrabalho “sempre que a natureza da actividade o permita”.

A medida vai vigor até 31 de Março de 2021, sendo que o Governo abre a porta à possibilidade de estender a medida se considerar que será necessário.

Para já, estão abrangidas as empresas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas como a lista das parcelas de território é definida pelo Governo de 15 em 15 dias através de resolução do Conselho de Ministros, o universo abrangido poderá mudar.

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