O Brasil que arde em chamas e nossa luta pela vida
Nosso país está chocado com as imagens de animais mortos no Pantanal e o fogo consumindo já 20% de um dos mais importantes biomas brasileiros. O Brasil não é Bolsonaro, é sim aquele país que sempre recebeu o mundo de braços abertos.
A imprensa repercutiu com preocupação a carta enviada por oito países europeus ao vice-presidente brasileiro Hamilton Mourão alertando sobre a dificuldade cada vez maior de comprar produtos do nosso país em função do desmatamento crescente no Brasil. Recentemente, deputados do Parlamento Europeu também enviaram uma carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A preocupação não é despropositada. Venho denunciando nas tribunas que tenho espaço o projeto de destruição ambiental empreendido pelo Presidente Jair Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles.
Não se trata aqui de reafirmar a imagem negativa de meu país: é exatamente o contrário. Somos uma nação pacífica, com um histórico de quatro décadas de construção de políticas ambientais, com iniciativas internacionalmente premiadas (inclusive pela ONU) e que liderou momentos históricos em governos democráticos como a Eco-92, logo após a redemocratizacão, e da Rio+20, durante o governo da Presidenta Dilma Rousseff. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a agenda 2030 foram construídos graças a uma articulação internacional grandiosa, cujo papel do Brasil foi de reconhecido protagonismo. É com a consciência não só de parlamentar, mas de cidadão global, em nome da preservação da vida humana da Terra, que aqui venho dizer que a comunidade internacional deve continuar respeitando nossa soberania, mas que é necessário unirmos mentes e corações em defesa dos biomas brasileiros.
A quem interessa a destruição da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado
Não é fácil derrubar áreas em uma floresta tão grande e com mata fechada e úmida como é a Amazônica, por isso, explicarei focando nela, o maior dos três biomas. Uma das mais conhecidas formas de desflorestar acontece durante as estações mais chuvosas, quando tratores que poderiam protagonizar filmes com Transformers, emparelhados por correntes que pesam toneladas, vão derrubando as centenárias árvores, que ficam no chão por algum tempo, até a chegada da estiagem. No período menos chuvoso, com a vegetação já seca e morta, é que chegam os incêndios provocados, pois não existe combustão espontânea na Amazônia. Com a área “limpa”, o que no Brasil chamamos de “grileiros”, ou seja, pessoas que ocupam terras públicas (das quais fazem parte os territórios indígenas), os mesmos que derrubaram anteriormente as árvores, começam a plantar soja e colocar gado para pastagem, na maioria dos casos. E aí começam novos conflitos de terra. Contando com a morosidade de alguns trâmites, enquanto o processo por ocupação ilegal de terras acontece, o latifundiário já se estabeleceu no território, muito bem armados, literalmente. Eles, com fuzis. Os povos do entorno, no máximo, com arco e flechas. Agora, imagine isso tudo acontecendo em um cenário com desmonte das estruturas de fiscalização de crimes ambientais dos órgãos federais, criminalização dos servidores públicos ambientais, extinção dos espaços institucionais de formulação de políticas climáticas e a articulação proposital de incidentes diplomáticos para inviabilizar o Fundo Amazônia, cuja contribuição da ordem de quase US$ 380 milhões era fundamental para nos ajudar no combate ao desmatamento. Como se isso não fosse suficiente, o Brasil caminha a passos largos para a legalização disso que chamamos de grilagem de terras.
Quem governa hoje o Brasil
Uma das primeiras ações de Bolsonaro ao ser eleito, antes mesmo de sua posse, foi afirmar que o Brasil não receberia a COP-25, que aconteceu em 2019, com muitos percalços, em Madrid. Pouco depois, informou que extinguiria o Ministério do Meio Ambiente, criado em 1992. Diante da repercussão negativa, recuou na proposta, entretanto, diversas responsabilidades deste ministério passaram ao encargo do Ministério da Agricultura. Para melhor esclarecer o leitor, é preciso dizer que o Brasil é um dos países com maior concentração fundiária do mundo. O agronegócio modelo predatório e arcaico segue na mão das mesmas famílias há séculos. O roubo de terras públicas ainda é um problema grave no Brasil. Bolsonaro, que chegou a ser multado por crime ambiental quando ainda era deputado, representa este setor ultradireitista e inimigo da democracia, com características conhecidas em todo o globo. Estamos aqui falando de um governo que legalizou cerca de 600 agrotóxicos em pouco mais de um ano de mandato, que mandou exonerar funcionários públicos de carreira e que colocou a demarcação de terras indígenas nas mãos do Ministério da Agricultura, hoje dirigido por aqueles que intentam legalizar oficialmente a invasão de terras públicas e mineração em terras indígenas e que pune severamente cientistas, acadêmicos e lideranças populares que denunciam os crimes ambientais.
O que apontam os dados
Em agosto de 2020, os alertas de desmatamento subiram 68% na comparação com o mesmo mês de 2019, o pior mês nos últimos 10 anos [1]. O INPE [2], um órgão do próprio governo que sempre sofre ataques infundados a sua credibilidade por parte de Bolsonaro e Mourão, o desmatamento da Amazônia detectado pelo projeto Prodes [3] foi de 10.129 km2 entre agosto de 2018 e julho de 2019, consolidando alta de 34,4% em relação ao período agosto de 2017 a julho de 2018.
Os números apontados pelos alertas do Sistema Deter [4] entre agosto de 2019 e julho de 2020 somam 34,6% mais do que no período correspondente anterior. A estimativa é de que o Prodes ultrapasse 13.000 km2 neste ano. O governo propositalmente perdeu o controle do desmatamento na Amazônia. O envio de militares para a Amazônia no âmbito da “Operação Verde Brasil 2” não tem surtido o efeito necessário.
A situação é ruim também nos incêndios florestais: os focos entre maio e julho de 2020, com a GLO, superam em 22% os números de 2019 referentes aos mesmos meses, sem a presença dos militares. Enquanto isso, a atuação governamental aproxima-se mais de medidas teatrais do que de ações concretas. O Ibama gastou até 31 de julho apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização ambiental no país em 2020. Foram R$ 13,6 milhões. É a execução mais baixa desde 2016, considerado o mesmo período do ano. Esse fato é gravíssimo e pode configurar improbidade administrativa do ministro Salles, pois o recurso existe e não é aplicado. Isso sem falar nas vidas humanas resultante dos conflitos de terra: o número de lideranças indígenas e sem-terra assassinados no país é assustadoramente crescente.
O que estamos fazendo
Com o objetivo de estabelecer um diálogo franco entre autoridades governamentais, autoridades e a sociedade civil, apresentamos nesta semana passada um projeto de lei que estabelece a moratória do desmatamento na Amazônia Legal por cinco anos, fortalecendo o debate sobre o que queremos para nosso Meio Ambiente e a proteção da floresta. Acabo de regressar do Pantanal em uma agenda que articulei com congressistas da Câmara e do Senado Federal e tive a oportunidade de ver in loco o rastro de destruição deixado pelos incêndios criminosos, como o ar quase irrespirável no Estado de Mato Grosso, animais mortos, falta de estrutura ou apoio governamental. Ouvi representantes de comunidades atingidas, entidades e movimentos ambientalistas, cientistas e integrantes do Corpo de Bombeiros, que clamaram por auxílio diante da falta de recursos e estrutura para atuarem, e foram ignorados pelo governo Bolsonaro, que preferiu chama-los de disseminadores de pânico, como insinuou no seu terrível discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
A comunidade internacional pode ajudar muito o povo brasileiro acompanhando os desdobramentos da crise ambiental no país e ligando o alerta máximo quanto à destruição iminente das florestas com apoio do governo Bolsonaro.
Nosso país está chocado com as imagens de animais mortos no Pantanal e o fogo consumindo já 20% de um dos mais importantes biomas brasileiros. Este senhor que ocupa hoje o maior cargo do país foi eleito com apenas 30% dos votos, resultado da mesma estratégia montada para eleger outros ultradireitistas pelo mundo. O Brasil não é Bolsonaro, e sim aquele país que sempre recebeu o mundo de braços abertos, que desconhecia a xenofobia, que tinha vergonha do racismo, e que lutava pelas mulheres. Seguiremos lutando pela soberania de nosso país, pela diplomacia entre os povos, com a consciência de que temos um papel central para cumprir diante da emergência climática que nos assola. Para quem ainda não entendeu as consequências do desequilíbrio ambiental, e de que todos os povos do mundo estão unidos pela Terra, o coronavírus deu seu recado. Nós entendemos. E não há Bolsonaro que nos impedirá de seguir com nosso compromisso com o planeta e com o povo brasileiro. Contamos com vocês nesta tarefa.
O autor do artigo é fundador de uma das ONGs mais importantes do Brasil para preservação de florestas e direitos de povos tradicionais e indígenas (https://www.socioambiental.org/pt-br). Tem mais de 40 anos de atuação ambiental. Atualmente, está em seu segundo mandato como deputado federal, e é uma das principais referências no Brasil sobre política pública para meio ambiente e mudanças climáticas e é secretário nacional de meio ambiente e desenvolvimento do maior partido político da América Latina, o Partido dos Trabalhadores.
[1] Dados do Imazon, ONG brasileira com 30 anos de atuação e mais de 700 artigos científicos para conservação e desenvolvimento sustentável da Amazônia (https://imazon.org.br/)
[2] Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (http://www.inpe.br/)
[3] Projeto ligado ao INPE que desde 1988 monitora o desmatamento da floresta amazônica para e que vem guiando, desde então, todos os governos para o estabelecimento de políticas públicas (http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes)
[4] Sistema desenvolvido para monitoramento da cobertura florestal que sofram alterações maiores que 25 hectares, e que possui resolução de 250m (http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/deter/deter)