Macron rejeita acordo UE-Mercosul em nome da luta contra as alterações climáticas
Governo francês justifica a sua posição com “a deflorestação que põe em perigo a biodiversidade e a desregulação do clima” e faz três exigências para salvar o tratado.
As dúvidas do Presidente francês sobre o histórico tratado de livre comércio entre a União Europeia e os quatro países do Mercosul, fechado em 2019 depois de duas décadas de negociações, não são novas. Mas agora surgem reforçadas por um relatório independente (encomendado por Paris) que indica que o comércio entre o bloco europeu e a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, provocaria um aumento da deflorestação e dos gases com efeito de estufa.
Para a comissão de peritos liderada pelo economista ambiental Stefan Ambec, o projecto é “uma ocasião perdida da UE para obter garantias ambientais, sanitárias e sociais”, contrário aos Acordos de Paris sobre o clima e com mais custos ambientais do que benefícios comerciais.
Segundo as conclusões da equipa de Ambec, a deflorestação chegaria a um ritmo anual de 5% nos seis anos seguintes ao início da aplicação do acordo (700 mil hectares), tendo em conta o aumento da produção bovina – no mesmo período, as exportações de carne de vaca do Mercosul para a Europa aumentariam 50 mil toneladas –, e o acordo resultaria num crescimento significativo dos gases responsáveis pelo efeito de estufa, chegando às 6,8 milhões de toneladas equivalentes de CO2.
“O nível de ambição deste projecto de acordo é insuficiente como ferramenta para que os nossos parceiros comerciais assumam melhor o problema climático, principalmente através do respeito pelo Acordos de Paris”, fez saber o Governo francês, horas depois de receber o relatório, na sexta-feira.
Há um ano, Emmanuel Macron ameaçou vetar o acordo por causa dos incêndios na Amazónia. Agora, para salvar o texto faz “três exigências políticas”: quer assegurar que “o acordo não vai implicar qualquer deflorestação ‘importada’ da União Europeia” por causa das trocas comerciais; pretende que os compromissos relativos ao clima dos países do Mercosul tenham uma obrigatoriedade jurídica; e exige que os controlos aduaneiros e de origem de todos os produtos agro-alimentares sejam mais “frequentes e efectivos”.
As exigências são acompanhadas de uma pergunta sobre se o Brasil de Jair Bolsonaro estará interessado em cumprir estas condições. “Os outros países que nos criticam não têm problemas de queimadas porque já queimaram tudo no seu país”, afirmou o Presidente brasileiro, em resposta.
Pantanal a arder
Bolsonaro falava num encontro com empresários agrícolas do Mato Grosso do Sul e voltou a desvalorizar os fogos, dias depois de Brasília ter reconhecido a situação de emergência no estado, onde em apenas metade do mês já é o Setembro com mais focos de incêndio desde que há registo.
De acordo com as autoridades, muitos dos fogos que têm destruído o Pantanal – a maior área de planície alagada do mundo, um bioma único considerado Património Natural Mundial pela UNESCO – desde Julho, ameaçando vários povos indígenas e queimando animais de centenas de espécies, algumas ameaçadas de extinção (como o jaguar, conhecido no Brasil por onça-pintada), têm mão humana.
Os franceses não são os únicos com dúvidas sobre o pacto. Holanda e Áustria recusam-no tal como foi negociado (as negociações técnicas terminaram em Junho de 2019), a Bélgica, a Irlanda e o Luxemburgo disseram-se reticentes e a Alemanha expressou “sérias dúvidas sobre a sua entrada em vigor”.
Em teoria, o acordo com o Mercosul traria vantagens grandes para França (como para todos os envolvidos), cujas exportações para os quatro países do bloco representam 6 mil milhões de euros em bens e 3 mil milhões em serviços.
Com várias organizações não-governamentais a pedirem a Macron para “enterrar definitivamente” o pacto pelos seus efeitos no clima, nas florestas e nos direitos humanos, Paris diz que quer que Bruxelas continue a negociar para responder às suas preocupações.