Curtas 2020: um festival descentralizado a lutar contra a covid-19
28.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Vila do Conde vai decorrer de 3 a 11 de Outubro. O programa já está completo, e abre com a estreia portuguesa de Casa de Antiguidades, do brasileiro João Paulo Miranda.
Apostar no cinema português e em levá-lo mais perto dos espectadores, e recorrer também às virtualidades do online são as inovações, neste contexto de pandemia da covid-19, do Curtas Vila do Conde, que este ano, fora da sua estação habitual, vai decorrer de 3 a 11 de Outubro.
Além dos seus ecrãs habituais no Teatro Municipal da terra, o Curtas 2020 vai apresentar os 17 filmes da competição nacional simultaneamente no Porto (Cinema Trindade), em Lisboa (Cinema Ideal) e em Faro (Auditório do Instituto Português dos Desportos e Juventude).
“Não se trata de uma extensão, é o festival a acontecer nesses quatro sítios e com muitos dos realizadores a acompanharem a apresentação dos seus filmes”, disse esta quinta-feira ao PÚBLICO Nuno Rodrigues, da direcção do Curtas, a dar conta finalmente do programa e do calendário concluído do evento.
Consolidada a ideia de manter o festival presencial, mesmo se com as limitações decorrentes da situação de pandemia, a direcção do Curtas optou também por “puxar a competição nacional para os primeiros dias para permitir este circuito”, acrescenta Nuno Rodrigues. Fá-lo na expectativa de que ele venha a aproveitar do “fenómeno curioso, e positivo”, que se está a observar de “uma atenção mais declarada ao cinema português, às sessões que incluem conversas com os autores, aos ciclos e aos lançamentos de novos filmes”, realça o programador.
Competições fortes
Na selecção dos 17 títulos que compõem a competição nacional, encontramos ficção, animação e documentário de autoria de alguns cineastas que são presenças frequentes ou então regressam ao Curtas, como Sandro Aguilar (Armour), Cláudia Varejão (O Ofício da Ilusão), Filipa César (Crioulo Quântico: O Algoritmo do Algodão) e João Rosas (Catavento), ao lado de novos autores.
Já a competição internacional contará com 33 filmes, entre os quais estão autores anteriormente anunciados pelo Curtas, como o iraniano Jafar Panah (Hidden) e o ucraniano Sergei Loznitsa (A Night at the Opera).
Do total de 261 filmes que vão preencher as várias secções do festival, Nuno Rodrigues proclama que eles asseguram “duas secções competitivas que serão das mais fortes da história do Curtas”, realçando que, pelo facto de o festival se realizar mais tarde do que o habitual, o seu programa pôde contar com “algumas novidades que estavam guardadas para Cannes e Locarno”.
Brasil a abrir
O filme de abertura desta 28.ª edição será (na tarde de sábado, 3 de Outubro), em estreia nacional, Casa de Antiguidades, de João Paulo Miranda, uma história de exclusão racial passada no sul do Brasil (esteve na edição virtual de Cannes). Marca também o regresso a Vila do Conde do cineasta brasileiro, que aí apresentou duas curtas anteriores, o mesmo acontecendo este ano com mais três títulos: Command Action (2015), A Moça que Dançou com o Diabo (2016) e Meninas Formicida (2017).
Outra estreia aguardada com grande expectativa é a de First Cow, de Kelly Reichardt, que marcou a edição deste ano do Festival de Berlim.
Também extra-competição, outro acontecimento do Curtas 2020 promete ser a apresentação, na secção Da Curta à Longa, da primeira versão de O Sentido da Vida, o filme-aventura de Miguel Gonçalves Mendes, que conta já cinco anos de rodagem em quatro continentes, a “questionar a nossa existência através das indagações de um jovem brasileiro, portador de uma doença hereditária rara e sem cura”. A ex-Presidente brasileira Dilma Roussef, o jornalista australiano Julian Assange, a artista japonesa Mariko Mori e Valter Hugo Mãe são alguns dos intervenientes do novo filme do autor de José e Pilar, cuja conclusão é esperada para o próximo ano.
Depois da estreia, no IndieLisboa, dos primeiros quatro episódios da série Os Herdeiros de Saramago, de Carlos Vaz Marques com realização de Graça Castanheira — com chegada à RTP em Novembro —, Valter Hugo Mãe fez certamente valer o factor casa para ter o documentário que lhe é dedicado nesta série estreada em Vila do Conde.
Outro momento forte ainda relativo ao cinema português será igualmente a primeira apresentação de Vencidos da Vida, a remontagem que Rodrigo Areias realizou de várias curtas “criando com ela um novo objecto fílmico”, antecipa Nuno Rodrigues.
Só um cine-concerto
Marca do tempo em que vivemos, a secção Stereo terá este ano um programa reduzido a um só cine-concerto, que dará a ver e ouvir Guanche, o mais recente projecto de Paulo ‘The Legendary Tigerman’ Furtado em parceria com Pedro Maia. Trata-se de um filme rodado na ilha da Madeira “em torno do homem, do desenvolvimento e da sua relação com a natureza”, explica o comunicado do Curtas. Em Vila do Conde, Furtado e Maia, com narração de Íris Cayatte, irão apresentar ao vivo uma primeira abordagem musical de partes desta longa-metragem.
A outra adequação do 28.º Curtas à realidade da covid-19 consiste no recurso ao online, o expediente que, um pouco por todo o mundo, tem sido mais utilizado para continuar a levar o cinema aos seus espectadores. “É a primeira vez que fazemos isto na história do festival”, nota Nuno Rodrigues, avançando que cerca de centena e meia dos títulos a passar no programa irão ficar disponíveis na rede (através do formato VoD), desde as secções competitivas a outros programas, com excepção do Cinema Revisitado.
Este, como já foi também divulgado, vai dar carta-branca ao cineasta francês Frank Beauvais e mostrar pequenas “pérolas” da filmografia de Jean-Luc Godard, desde curtas-metragens a telediscos, filmes-anúncio e publicidade, além de exibir a cópia restaurada de um dos filmes marcantes do Cinema Novo português, O Recado (1972), de José Fonseca e Costa (1933-2015).
Ainda em Vila do Conde, a galeria Solar será este ano “ocupada” pelo artista espanhol Isaki Lacuesta, a mostrar como a sua obra aposta no diálogo entre o cinema (que estará também “em foco” no festival) e as outras artes.
Referência ainda, a concluir a celebração do 20.º aniversário da Agência da Curta-Metragem, o lançamento de um livro — Reframing Portuguese Cinema in the 21st Century, na versão inglesa — que, com coordenação editorial de Daniel Ribas e Paulo Cunha, olha as duas últimas décadas do cinema português através de textos de uma dezena de programadores e críticos de diferentes países.