Mata da Mina de S. Domingos está a desaparecer para dar lugar a uma central solar
ICNF diz que lhe foi comunicada a intenção de instalar uma central solar mas ainda não foi apresentado qualquer tipo de projecto nesse sentido. Entretanto, dezenas de hectares de eucaliptos já foram cortados.
“Chegaram de mansinho em Março”, refere ao PÚBLICO Joaquim Cavaco, presidente da Comissão de Moradores da Mina de S. Domingos, sem que ninguém soubesse a razão do abate de centenas de eucaliptos, que formavam uma mata plantada no século XIX e que era “o pulmão verde” da população da antiga comunidade mineira, observa. Até agora, a população permanece sem informação. Ao PÚBLICO o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) confirmou a intenção da empresa proprietária do terreno de ali instalar uma central solar.
O silêncio da Câmara de Mértola e da empresa La Sabina – Sociedade Mineira e Turística, SA deu terreno livre à especulação. Uns diziam que o corte de eucaliptos era parte de um projecto para a instalação de novos eucaliptos destinados à produção de pasta de papel. Outra versão garantia a plantação de um amendoal em regime superintensivo e que a água para rega seria captada da albufeira da Tapada Grande, onde foi instalada em 2011 uma praia fluvial que tem hoje bandeira azul. Neste jogo entre o quente, frio ou morno, houve quem avançasse para um projecto turístico ou uma central solar. De facto, em 2004, a empresa La Sabina avançou com um projecto nesse sentido que cobriria de painéis solares uma extensão superior a 400 hectares, apresentado como sendo o maior do mundo. A iniciativa foi chumbada pelo Governo de então, sem que se conheçam as razões, mas a intenção parece continuar de pé.
O PÚBLICO, acompanhado por Joaquim Cavaco, percorreu boa parte dos cerca de 2200 hectares do território que está sob concessão da La Sabina e confirmou uma intensa actividade da empresa espanhola com recurso a máquinas de grande porte, que abriam caminhos onde é proibido, derrubavam eucaliptos para serem reduzidos a estilhas. Até as raízes estão a ser arrancadas. Toda a matéria lenhosa é levada para Espanha, revelou um trabalhador envolvido na operação, natural do país vizinho de onde também vieram as máquinas que derrubam e cortam as árvores.
A abertura de caminhos coloca a nu a rocha de um solo esquelético e delgado, propício à erosão com chuvadas mais intensas. Nos pontos mais altos do antigo couto mineiro, observa-se a extensa dimensão da mata que terá cerca de 600 hectares. As clareiras já abertas demonstram a dimensão da limpeza que está a ser realizada. “Inevitavelmente vai provocar a erosão dos solos, aumentar a desertificação, reduzir a qualidade ambiental”, realça o membro da comissão de moradores. “Vivemos numa terra de extremos: ou não chove durante anos, ou quando chega é de enxurrada.” E aponta para o solo revolvido pelas máquinas que qualquer pequena passada transforma em pó.
Já foi solicitado “inúmeras vezes” à Câmara de Mértola a realização de uma sessão de esclarecimento à população sem que obtivessem qualquer resposta. “As pessoas têm o direito de saber o que vão fazer à porta das suas casas”, sobretudo quando são privadas de um espaço verde que sempre compensou a “herança tóxica” deixada por 112 anos de exploração mineira.
Embora reconheça que o antigo couto mineiro é propriedade privada, “o interesse público também tem de ser respeitado”, acentua Joaquim Cavaco, dando conta dos efeitos que a desflorestação da mata já está a ter “em dezenas de apiários”, uma das fontes de rendimento da população. Também a caça está a desaparecer num coberto vegetal onde “existiam veados, perdizes, lebres e javalis”. A população anda apreensiva porque “estão-lhes a tirar o pulmão verde”.
Projecto fotovoltaico
O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao presidente da Câmara de Mértola, Jorge Rosa, sobre os motivos que estão por detrás do abate de eucaliptos, mas o autarca sugeriu que fossem solicitadas informações ao Parque Natural do Vale do Guadiana, alegando que a questão “não é do âmbito da Câmara Municipal de Mértola”.
Diz que a autarquia não tem conhecimento de qualquer projecto. “No entanto, já interrogámos formalmente o ICNF sobre as intenções da intervenção”, acrescentou, sem adiantar se já teria obtido resposta.
Ao PÚBLICO o ICNF adiantou ter recebido, “em Junho de 2020”, um pedido de autorização da empresa SolCarport Portugal, Unipessoal, Lda “para o arranque de zona florestal de eucalipto existente na Mina de S. Domingos, com referência de que esta seria substituída pela implantação de central fotovoltaica em três módulos”.
A empresa Solcarport Portugal, Unipessoal Lda foi constituída em 12 de Julho de 2019, tem sede no concelho de Cascais, e um capital social de 5000 euros. Exerce a actividade de produção de electricidade de origem eólica, geotérmica e solar, apurou o PÚBLICO, que, no entanto, não conseguiu chegar ao contacto com os responsáveis da empresa.
O ICNF adianta que apenas conhece a intenção da Solcarport de ali instalar uma central fotovoltaica. Neste sentido, o ICNF emitiu um parecer onde refere que o “destino final do eucaliptal não carece de autorização”, acrescentando que “até ao momento não foi submetido qualquer tipo de projecto para aprovação na área em apreço.”
A extensa mata de eucaliptos que rodeia a aldeia da Mina de S. Domingos, plantada entre 1860 e 1889 para fornecer lenha às operações industriais do couto mineiro, reduzir os efeitos da poluição atmosférica e combater as “febres” que debilitavam os habitantes, está agora a desaparecer. Pensa-se que nesse período do século XIX tenham sido plantadas em redor da mina de S. Domingos cerca de dois milhões de árvores.