Covid-19: o novo coronavírus vai tornar-se sazonal?

Dois estudos publicados esta semana reforçam uma ideia que tem sido defendida por muitos epidemiologistas e virologistas: vamos ter de nos habituar a viver com o SARS-CoV-2 no meio de nós.

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Coronavírus SARS-CoV-2 NIAID, 2020

O padrão sazonal dos vírus respiratórios não é novidade. No entanto, tudo o que diz respeito ao SARS-CoV-2 é novo. Assim, uma equipa de cientistas publicou esta terça-feira um artigo na revista Frontiers in Public Health defendendo que é muito provável que a covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus, se torne sazonal nos países com clima temperado, mas só quando a imunidade de grupo for atingida. Num outro trabalho publicado esta segunda-feira na Nature Medicine um grupo de investigadores chega à mesma conclusão após uma análise a outros coronavírus com uma produção de anticorpos pouco duradoura.

A duração da imunidade protectora contra o SARS-CoV-2 pode ser curta, conclui um estudo que investigou quatro coronavírus semelhantes. Os investigadores apresentam o resultado de um estudo de caso com dez indivíduos saudáveis ​​que foram acompanhados ao longo de 35 anos. “A reinfecção com o mesmo coronavírus sazonal ocorreu frequentemente cerca de um ano após a infecção inicial, o que sugere que será preciso ter atenção à confiança que é colocada em políticas que exigem imunidade de longo prazo, como a vacinação ou infecção natural para atingir a imunidade de grupo”, refere-se no resumo do artigo publicado na Nature Medicine.

Apesar do conhecimento limitado que temos sobre este novo coronavírus é possível já admitir que a reinfecção pode acontecer e, por isso, a duração da imunidade após uma primeira infecção pode ser uma importante variável a considerar quando nos preparamos para novas subidas de casos de infecção, como as que a Europa está agora a enfrentar. Os cientistas analisaram quatro coronavírus sazonais – o HCoV-NL63, o HCoV-229E, o HCoV-OC43 e o HCoV-HKU1 – que causam infecções do sistema respiratório e defendem que as características partilhadas por esses coronavírus podem ser representativas de todos os coronavírus humanos, incluindo o SARS-CoV-2.

“Para descobrir com que frequência ocorre a infecção sazonal por coronavírus, os autores analisaram um total de 513 amostras de soro recolhidas, em intervalos regulares desde a década de 1980, de dez homens adultos saudáveis ​​em Amesterdão”, explica o resumo do trabalho, adiantando que foram medidos aumentos de anticorpos para uma proteína abundante do coronavírus. “Um aumento nos anticorpos foi considerado uma nova infecção.” Ao longo do estudo, a equipa observou entre três e 17 infecções de coronavírus por doente, com tempos de reinfecção entre seis e 105 meses. “As reinfecções foram frequentemente observadas 12 meses após a infecção inicial”, acrescentam.

Esta investigação também permitiu ver que as amostras recolhidas entre Junho e Setembro (meses de Verão) apresentavam uma menor taxa de infecções para todos os quatro coronavírus sazonais. Acabou por se concluir que “o SARS-CoV-2 pode partilhar este mesmo padrão após a pandemia”.

A covid veio para ficar

Num outro artigo publicado esta terça-feira numa outra revista, a Frontiers in Public Health, os especialistas também recordam que os narizes a pingar e tosse nos meses frios de Inverno não são novidade para ninguém. Nesta altura, por vários motivos, os vírus respiratórios atacam com mais força. Seja por questões que estão relacionadas com a temperatura que pode afectar o vírus em si, seja pela mudança de hábitos que nos leva a estar mais recolhidos em espaços fechados no Inverno. 

No artigo, os cientistas liderados por um grupo da Universidade de Beirute, no Líbano, avançam que a covid-19, provavelmente, seguirá o exemplo de outros vírus respiratórios e, assim, deverá tornar-se sazonal em países com climas temperados, mas apenas quando a imunidade de grupo for alcançada. “Até lá, a covid-19 continuará a circular ao longo das estações”, avisam.

Este dado pode ser importante na definição de medidas de saúde pública. “A covid-19 veio para ficar e continuará a causar surtos durante todo o ano até que a imunidade colectiva seja alcançada. Portanto, a população precisa aprender a conviver com isso e continuar a praticar as melhores medidas de prevenção, incluindo o uso de máscaras, o distanciamento físico, a higienização das mãos e evitar contactos sociais”, refere Hassan Zaraket, um dos autores do estudo citado num comunicado de imprensa sobre o trabalho.

É bem possível, adiantam ainda os autores, que surjam “várias ondas” de covid-19 antes de alcançar a imunidade de grupo. Na verdade, não se trata de várias ondas, mas antes de uma longa e variável onda que se estende no tempo até alcançarmos imunidade de grupo (ou surgir uma vacina).

Apesar de reconhecerem as semelhanças com outros vírus respiratórios com comportamento sazonal, os investigadores notam que a covid-19 “tem uma taxa de transmissão (R0) mais alta, pelo menos em parte devido à circulação numa população que não tem imunidade”. Ou seja, o facto de nunca termos tido contacto com este vírus faz com que todos sejam susceptíveis à infecção e, por isso, não conseguimos travar o vírus no Verão e ainda não é possível notar uma sazonalidade.

“Mas, uma vez que a imunidade de grupo seja alcançada por meio de infecções naturais e vacinações, o R0 deve cair substancialmente, tornando o vírus mais susceptível a factores sazonais”, defendem os cientistas acrescentando que “essa sazonalidade foi relatada para outros coronavírus [humanos], incluindo aqueles que surgiram mais recentemente, como o NL63 e o HKU1, que seguem o mesmo padrão de circulação da influenza”.

Na conclusão do artigo, os autores lembram que para que um vírus siga um padrão sazonal e abrande no Verão, o R0 tem de descer abaixo do 1. Para já, “para o SARS-CoV-2, o R0 é estimado entre 2 e 3 e em algumas estimativas chega a 5,7”. Sobre os factores que podem reduzir o R0 dos vírus respiratórios no Verão, o estudo relembra “o efeito de temperaturas quentes e humidade na estabilidade do vírus e susceptibilidade do hospedeiro, bem como o comportamento da população”.

Apesar de notarem que a susceptibilidade à infecção por SARS-CoV-2 pode tornar-se semelhante à da gripe, o estudo sublinha que o novo coronavírus tem características que o distinguem e que devem ser tidas em conta: tem um R0 muito maior, tem uma maior estabilidade (o SARS-CoV-2 pode sobreviver até 72 horas em superfícies duras a temperaturas entre 21 e 23 graus Celsius e em humidade relativa de 40%), uma população amplamente ingénua do ponto de vista imunológico contra o SARS-CoV-2 em comparação com a gripe”.

Essas diferenças fazem com que, para já, seja ainda improvável que o R0 caia no Verão ao ponto de ser capaz de deter a disseminação da SARS-CoV-2. “Portanto, sem intervenções de saúde pública, o SARS-CoV-2 continuará a espalhar-se no Verão, como está a acontecer em muitos países do mundo. No entanto, como a imunidade de grupo é obtida por meio de infecções naturais e/ou vacinações, espera-se que o R0 efectivo diminua substancialmente, tornando o vírus mais vulnerável a flutuações sazonais.”

“Este continua a ser um vírus novo e, apesar do rápido crescimento do conhecimento científico sobre ele, ainda existem coisas que são desconhecidas”, refere Hassan Zaraket, citado no comunicado de imprensa, reforçando que a análise realizada leva, para já, a concluir que “é altamente provável, com o que sabemos até agora, que a covid-19 se tornará sazonal, como outros coronavírus”.

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