Governo quer criar agência para multar quem não cumprir medidas anticorrupção
Em causa estão novas obrigações que abarcam entidades públicas além de médias e grandes empresas como a elaboração de planos de prevenção e de códigos de conduta. Titulares de cargos políticos condenados por corrupção passam a poder ficar impedidos de serem eleitos ou nomeados.
O Governo quer criar uma agência especializada na prevenção da corrupção com competência para aplicar multas às entidades públicas e privadas que não cumprirem as novas obrigações destinadas a evitar este tipo de práticas, que passam pela realização de planos de prevenção e de códigos de conduta, além da criação de canais internos de denúncia. Isso mesmo está previsto na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, um documento com 78 páginas divulgado esta segunda-feira e que estará no próximo mês e meio em discussão pública.
A estratégia assenta numa aposta clara na prevenção, assumindo que “a capacidade repressiva do Estado nunca será suficiente se não houver uma intervenção a montante que enfrente as raízes do problema”. A solução, diz o Governo, passa pela “criação de um regime geral de prevenção da corrupção, envolvendo obrigações para os sectores público e privado e estabelecendo consequências para o incumprimento”.
Tal implica que tanto organismos públicos como médias e grandes empresas fiquem obrigadas a avaliar os riscos de corrupção e suborno associados ao tipo de actividade que desenvolvem e a adoptar medidas para os reduzir, o que implica a realização de planos de prevenção. Associados a estes instrumentos terão que ser criados códigos de conduta que descrevam os comportamentos esperados de todos os trabalhadores e manuais de boas práticas. Terão igualmente que ser criados canais internos de denuncia que protejam os denunciantes e nomeado um ou mais responsáveis por estes mecanismos de prevenção.
Para quem não cumprir as novas exigências “propõe-se que sejam previstas sanções, nomeadamente contra-ordenacionais, aplicáveis quer ao sector público, quer ao sector privado”, afirma-se na estratégia. E resume-se: “Para garantir a efectividade das políticas anticorrupção, a implementação dos mecanismos de prevenção e a operacionalidade e eficácia do sistema, impõe-se a existência de um Mecanismo (ou Agência) autónomo, que agregue competências e detenha poderes de iniciativa, de controlo e de sancionamento”. Para as empresas incumpridoras, a estratégia sugere também outro tipo de sanções (além das multas) como que fiquem impedidas de participar em processos de contratação pública, o que vai implicar alterações no Código das Sociedades Comerciais.
Assumindo que há falta de dados sobre a dimensão e características da criminalidade económico-financeira, o Governo propõe igualmente que esta agência fique responsável por elaborar anualmente um relatório anticorrupção que “assegure um conhecimento mais real da extensão dos fenómenos corruptivos” e sugira políticas activas de prevenção e repressão.
Na passada quinta-feira a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, anunciou em conferência de imprensa algumas das medidas previstas, mas não disponibilizou o documento. A estratégia não especifica as propostas legislativas que algumas soluções implicam, deixando ainda dúvidas, por exemplo, sobre os termos em que o Governo quer dispensar ou atenuar a pena de quem tiver denunciado crimes de corrupção ou afins. Fica claro que desaparece o prazo de “30 dias após a prática do acto” para a denúncia ter efeitos, mas a dispensa de pena pressupõe “sempre que o crime seja denunciado em todos os seus contornos antes da instauração do procedimento criminal”.
Também fica claro que o Governo quer abrir a porta à Justiça negociada, permitindo a realização de acordos sobre a pena aplicável, na fase de julgamento, a quem aceitar a confissão livre e sem reservas. Mas o que defende afasta-se da figura da delação premiada como está prevista no direito brasileiro, que permite a um suspeito beneficiar da redução ou mesmo um perdão de pena em troca da denúncia de outros parceiros. “Deverá ficar afastada uma configuração do instituto que premeie, através da redução da pena aplicável, quem colabore responsabilizando outro ou outros arguidos”, lê-se no documento.
Documento está em discussão pública
O documento em discussão pública prevê que os titulares de cargos públicos condenados por corrupção passem a poder ficar proibidos de exercer funções até um máximo de dez anos, o que duplica o prazo existente no Código Penal. Para colmatar uma lacuna detectada, a estratégia sugere ainda que uma pena acessória equivalente seja prevista igualmente para os titulares de cargos políticos, o que implica que estes passam a poder ficar incapacitados de serem eleitos ou nomeados para cargos políticos igualmente por um máximo de dez anos.
Sugere-se ainda o “reforço da acção de controle e fiscalização financeira do Tribunal de Contas” (TdC), como meio de promover a maior transparência. Para tal terá que ser revista a lei de organização deste tribunal defendendo o Governo que a fiscalização prévia deve ficar restringida “aos actos e contratos de maior valor” para ser alargada a competência do TdC a “entidades cuja actividade seja maioritariamente financiada por dinheiros públicos”.