Há 20 anos com saudades do Nokia 3310
Caía no chão como ninguém. Era apanhar e continuar a usar, mesmo que fosse no meio de uma chamada. Hoje, o smartphone cai e, de repente, somos um cirurgião que tenta recuperar o telemóvel do chão com uma delicadeza e suspense que emociona.
Este tipo de acontecimento deixa-me nostalgicamente feliz. Dia 1 de Setembro de 2000, o mundo arregalava os olhos ao lançamento do revolucionário Nokia 3310. Sem querer emocionar ninguém, sem espremer as saudades recalcadas pela magia de ter este telemóvel, apenas deixo um desafio: ler o texto no iPhone ou qualquer outro smartphone táctil de última geração, sem querer trocar o Candy Crush por umas horas de Snake.
É difícil fugir à nostalgia deste dia, destes tempos. Este tipo de coisas gritam por clichés sobre o tempo e como o tempo gosta tanto de andar tão depressa. Se a estrela do dia é um telefone, para quê falar de clichés infelizes quando o Nokia 3310 nos fazia tão felizes? Não querendo entrar em competições, o Nokia, sim, era um bom e velho amigo, enquanto estes smartphones são uns carentes do pior. E todos temos amigos assim, eu sei.
66655522222, que é como quem diz “olá”, porque quando há teclas verdadeiras escrever torna-se um jogo de lógica e não apenas em conseguir acertar à primeira nas letras que se desejam. Hoje, fazemos festinhas em ecrãs e, quando não funciona, ficamos pacatamente a observar o que acontece. O smartphone domina-nos, enquanto o Nokia nos estimulava. Não funciona? Carrega com mais força. E lá íamos nós para uma mensagem, directa ao assunto, sem rodeios, porque quando se paga vinte cêntimos por uma letra a mais, tudo ganha uma importância diferente.
Caía no chão como ninguém. Era apanhar e continuar a usar, mesmo que fosse no meio de uma chamada. Hoje, o smartphone cai e, de repente, somos um cirurgião que tenta recuperar o telemóvel do chão com uma delicadeza e suspense que emociona. Quase sempre os estragos são uma dor na carteira. Para o Nokia, cair no chão é como pisar uma pedra pontiaguda: faz impressão, mas está tudo bem.
Muito mais que um bom preço, funcionalidades atractivas para a época ou facilidade de utilização, o Nokia 3310 era muito mais que um objecto. Muito mais que uma tecnologia. Era uma emoção. Era um amigo que nunca fugia, nem pressionava, um amigo que fazia companhia sem ser insistente. Um amigo que nunca se cansava de estar lá para nós, como se a sua energia fosse infinita. E sim, esta parte é uma homenagem à bateria de bom velho Nokia, onde um “pauzinho” chegava para ir a Badajoz e voltar, sem caramelos, porque o importante é a viagem e não o destino.
O Nokia andava quase o dia todo ao nosso lado, mas não nos deixava ansiosos se nos esquecêssemos dele nalgum lugar. Respeitava o nosso espaço e muito raramente invadia a nossa privacidade. Não nos observava em cada passo. Estava perto e nunca demasiado. Não nos atacava com mil e umas notificações de 33 redes sociais. O Nokia não nos “atirava à cara” informações que não queríamos saber. Para saber a vida dos outros, tínhamos de lhes perguntar, e assim ficávamos todos muito menos cuscos.
Mais que um telemóvel, o Nokia 3310 foi um hino à liberdade de viver e aproveitar os pequenos prazeres da vida. Foi um complemento dos nossos prazeres e nunca uma dependência. Foi tudo o que sempre sonhámos, sem imaginar que o queríamos tanto. Meu querido, ainda nos voltamos a ver ou preferes ser D. Sebastião?