Vem, diz a aranha à mosca
O PSD parlamentarmente entrou em estado de negação e também, lamentavelmente, de irrelevância.
O aperfeiçoamento dos sistemas democráticos é um processo complexo e longo, envolvendo os atores políticos e a cidadania, com as suas insubstituíveis funções. Implica Liberdade, Responsabilidade e Solidariedade, bem como o funcionamento exemplar das instituições. Os atributos de uma verdadeira cidadania.
Assim sendo, o progressivo afastamento entre responsáveis políticos e cidadania, a corruptela da liberdade, responsabilidade e solidariedade ou a sua perversão institucional, só nos podem conduzir a processos de falência sistémica das democracias, com entorses que, de forma mais ou menos clara, as vão debilitando e por fim matando. As referidas perversões podem ser intencionais ou terem na sua origem uma diminuição da capacidade sem assunção da mesma.
Tudo isto só pode potenciar o crescimento dos populismos - de esquerda e de direita – e dos extremismos ideológicos para quem os sentimentos primários são elemento essencial, quais sanguessugas deleitadas com uma generalizada insatisfação social, económica e política.
Num contexto como o que vai descrito, quem exerce o poder e quem exerce a oposição deveria ter um papel indeclinável na defesa do bem comum. Mas não é o que está a suceder entre nós: não raro o poder demite-se em matérias essenciais, com o fito da sua própria conservação ou irrompe em terrenos que lhe são alheios e a oposição demite-se, em função da sua fraqueza ostensiva, ferindo os pilares democráticos e abrindo caminho a espaços de totalitarismo e a intolerância.
São os casos paradigmáticos do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, supostamente o maior partido da oposição.
Ora, às oposições exige-se-lhes que fiscalizem o poder, não que abdiquem dessa fiscalização. Mas foi precisamente o que o atual presidente do PSD tem vindo a fazer: abdicou de fiscalizar, como lhe competia.
As recentes alterações ao regimento da Assembleia da República e as recentes alterações legislativas referentes aos debates parlamentares, viabilizadas pelo PSD, representam uma demissão do papel que a oposição deve ter (em boa hora o Presidente da República vetou o que podia ter vetado).
Isto para já não falar da tentada limitação à participação dos cidadãos na atividade parlamentar, mediante a exigência do aumento de subscritores de petições na Assembleia da República,
Mais uma tentativa de empobrecimento da vida democrática.
Tudo com o acordo e participação do maior partido da oposição. Não parece mas é verdade, o que só pode ser explicado à luz de uma fraqueza (estrutural) do atual presidente do PSD e da sua direção, e da sua fraca prestação, evidenciando a ausência de fiscalização ao Governo, fiscalização essa que naturalmente lhe incumbiria.
Não há dúvidas de que quem exerce o poder não só tem maioria parlamentar - numa coligação contranatura que o suporta – como passou a ter a cumplicidade, para não dizer a subserviência do maior partido da oposição em questões tão essenciais para a democracia.
O PSD parlamentarmente entrou em estado de negação e também, lamentavelmente, de irrelevância. PS e PSD tornaram-se assim viveiros de fenómenos políticos extremistas, o primeiro mais por acção e o segundo mais por omissão. Tudo somado, os extremismos fazem o seu caminho à esquerda e à direita e, como extremismo gera extremismo, as pulsões racistas, religiosas e culturais emergem.
O mais estranho é como é que um partido de centro, o maior partido da oposição, um grande partido estruturante da nossa democracia, um partido que imprimiu durante muitos anos, no governo, um rumo de desenvolvimento ao nosso país, cede agora à tentação da chamada da aranha: vem, diz a aranha à mosca. E a mosca tem ido. O resto, sabe-se como acaba.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico