Museus no futuro: que tutelas?
Ainda que preliminar, o Relatório elaborado pelo Grupo de Projecto Museus do Futuro constitui o documento reflexivo e propositivo mais completo e coerente que se produziu sobre o universo patrimonial museológico.
No dia 3 de Julho p.p. foi apresentada ao Conselho Geral dos Museus, Palácios e Monumentos (CGMPM), no Palácio da Ajuda, a versão preliminar do Relatório elaborado pelo Grupo de Projecto Museus do Futuro (GPMF) por convite da ministra da Cultura, Graça Fonseca.
Constituído por 14 elementos, entre os quais representantes de cinco áreas governamentais e da Presidência da República, o grupo contou essencialmente com a colaboração de um núcleo duro formado por especialistas convidados pela coordenadora, Clara Frayão Camacho, a quem foi superiormente concedida toda a liberdade para consultar instituições nacionais e estrangeiras, promover e realizar encontros científicos e iniciativas de índole participativa com cidadãos e entidades representativas do sector (Diário da República, 3 de Maio de 2019).
A incumbência era clara: “identificar, conceber e propor medidas que contribuam para a sustentabilidade, acessibilidade, inovação e relevância dos museus sob dependência da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e das Direcções Regionais da Cultura (DREC)”.
Feito o historial da evolução das tutelas, desde 1974, e o diagnóstico dos múltiplos problemas actualmente existentes no sector, bem como o estudo das práticas e linhas de orientação mais recentes ao nível internacional, ouvidos os actuais responsáveis pelas instituições em foco, o GPMF definiu cinco eixos temáticos como essenciais na correcta gestão do património museológico, servindo de igual modo a salvaguarda desse património e a sua fruição por diferentes públicos.
As medidas propostas (distinguindo-se entre o curto prazo e um horizonte a dez anos de distância) traduzem-se num total de 50 recomendações, de uma clareza e um pragmatismo exemplares, dirigidas ora à tutela, ora às instituições tuteladas.
Em declarações à Agência Lusa, a Ministra salientou, na manhã que antecedeu a apresentação do documento, duas recomendações a que atribui especial importância e que coincidem com processos por si já iniciados: o reforço da autonomia dos directores de museus, palácios e monumentos e a articulação mais estreita com a ciência.
Estranha me pareceu a ausência de referência à primeira das recomendações, precisamente dirigida à tutela, para “criar um instituto público, o Instituto de Museus, Palácio e Monumentos, inserido no domínio da Administração Pública Indireta do Estado”.
Forçoso é concluir que a Ministra Graça Fonseca ou não concorda com a ideia de que tal recomendação é basilar ou concorda, mas entende que este não é o tempo certo para a pôr em prática.
Em qualquer dos casos, seria de esperar que emitisse publicamente a sua opinião sobre a proposta que alicerça tudo o que se recomenda e parece grave que, ao abrir a discussão sobre o documento apresentado ao CGMPM (e que, a partir de então, ficou disponível para discussão pública durante três semanas), informasse que a primeira das recomendações estava à partida excluída do debate.
O momento actual não é o mais propício para a criação de um novo organismo de cúpula, já pela incerteza dos tempos, já porque o Governo se encontra a meio da legislatura. Mas tal não impede a discussão entre pares (antes a aconselha) sobre uma proposta que trata o património museológico e o património monumental como partes inquestionáveis e paritárias de um mesmo universo, a que eu chamo universo patrimonial museológico.
Independentemente da tipologia dos edifícios e da natureza e dimensão das colecções, o que os aproxima são os objectivos, as funções, as técnicas, os meios de comunicação com os diferentes públicos que pretendem servir.
Todos sabemos que o êxito de uma entidade tutelar não depende apenas do modelo orgânico, pois igualmente importantes são a competência técnica, o poder de visão e liderança de quem a dirige, mas também a garantia de que o seu plano estratégico e a polifacetada programação a curto, médio e longo prazo das instituições tuteladas têm viabilidade financeira — condição que se tem verificado cada vez mais inexequível.
De louvar, pois, a proposta de um novo organismo enquadrador, no âmbito do Ministério da Cultura, com o estatuto de instituto público, não integrado na Administração Pública Central e equiparado a entidade pública empresarial, única solução para trazer eficácia à autonomia estratégica e sustentabilidade dos serviços.
A partir de 2007, o universo dos museus, palácios e monumentos na dependência da Administração Pública Central diminuiu substancialmente, por cedências — que urge avaliar — de gestão, desconcentração e descentralização. Mesmo que não se verifique reversão de alguns desses processos, importa avaliá-los e estabelecer formas de partilha que acrescentem dimensão, conhecimento, influência, apoio financeiro, condições substanciais para a resolução de problemas tão importantes, e sempre adiados, desde o início dos anos 80, como é a instalação de reservas comuns, (indispensáveis não só às melhores condições de armazenamento de colecções, mas também à formação prática de conservadores e curadores) e o estabelecimento de ‘museus âncora’, ou seja, núcleos de apoio técnico e orientação, dentro de áreas geográficas bem definidas
Ainda que preliminar, este Relatório constitui o documento reflexivo e propositivo mais completo e coerente que se produziu sobre o universo patrimonial museológico, após a extinção do Instituto Português do Património, no início da década de 90.
Esperemos com os seus autores que, “sem prejuízo das medidas imediatas”, os museus, palácios e monumentos sejam objecto, por parte da tutela da Cultura, de uma “visão estratégica para o horizonte até 2030’’.